CISMAS DE VELHO
Apparício Silva Rillo
Quando a garoa do inverno
me atropela pro galpão,
chego a chaleira ao tição,
corto um crioulo a preceito,
e abrindo as varas do peito
me ponho triste, a cismar.
E logo veio apontar
- furando a garoa mansa -
a tropilha da lembrança
que eu nunca pude amansar.
É balda de quem é velho
viver jungido ao passado:
- como um boi magro e cansado
sofrendo ao peso da canga,
mas que paciente e sem zanga
vai mascando a malagueta
que é o carreteiro sotreta
que não lhe afrouxa o serviço.
E o boi velho, nem por isso
deixa de amar a carreta.
Por mais que tenha sofrido
sempre um velho ama o passado.
Como um matungo estropiado
que já não dá mais rodeio,
que gastou no aço do freio
seu derradeiro colmilho;
que nunca conheceu milho,
nunca passou do capim.
E o matungo, mesmo assim,
tem saudade do lombilho.
Mesmo com marcas no couro
de algum puaço mais forte,
mesmo sabendo que a sorte
lhe foi ventena e mesquinha,
um velho quando se aninha
no achego dos pensamentos,
disfarça esses maus momentos
nalguma fresta do peito,
como um remendo bem-feito
que se tapeia nos tentos.
Esta verdade é sabida
dos chirus mais veteranos:
- que no rebolo dos anos
mesmo as horas mais funestas
vão embotando as arestas,
tomando um novo feitio.
E acaba sempre sem fio
o punhal dos desenganos
porque o rebolo dos anos
gira sempre de arrepio...