Carreta
Aparicio
Silva Rillo
Recavém , chedas , cadeias,
tablado de duas braças,
raios, cambotas e maças
de guajuvira ou de ipê
chapa de ferro batido,
pra tolda couro estendido,
lata ou capim santa-fé .
Pra canga açoita-cavalo,
para os cambões guajuvira
de pitangueira se tira
canzis fortes e buenachos.
Pau-ferro lasca por nada,
por isso é mais indicada
canela para os muchachos .
Pra escolher o pau pro eixo
é preciso alguma ciência
guabiju tem
resistência,
mas o melhor é alecrim.
Ipê é para o trabalho,
serve bem pro cabeçalho
quando não há camboim .
Bois de força para o coice,
pra ponta bois de confiança
e pra maior segurança
na quarta os passarinheiros.
Nunca esquecendo a guilhada
pra cutucar a boiada
na lomba e nos atoleiros .
Cordas, tamoeiros
e brochas
pro serviço e pra reserva,
dois ou três quilos de erva,
charque a lã farta e feijão;
panela, trempe e cambona,
e uma garrucha machona
pra um caso de precisão !
"Pronto
a carreta patrício,
bombeie só que capricho!
tem mais valor que um bolicho
equipada como está.
Hoje no mais, se Deus queira,
se vamo erguendo poeira
Pras bandas do Caverá !"
Rude carreta de bois
Ano após ano, sem tréguas,
tu foste encurtando léguas
do interior ao litoral .
Tomando, a cada viagem,
um pouco menos selvagem
nosso Rio Grande natal.
Nessa ronda ambulatória
sob chuvas e manotaços,
gravaste os primeiros traços
de nossa carta geral .
O mais primitivo esboço
do antigo Rio Grande moço,
pai do Rio Grande atual.
Foste a
patrulha avançada
do batalhão do Progresso
Na incerteza do regresso,
ao passo lerdo dos bois,
apontavas novas rotas
e nos rastos das cambotas
brotavam vilas, depois...
Tu fazes parte da tropa
dos velhos trastes pampeanos,
que no rodeio dos anos
Pouco a pouco se formou.
Custaste muito a entregar-te,
mas no último aparte
o destino te marcou !
Quando escuto as tuas maças
ao peso bruto das cargas
gemerem, tristes e amargas,
como quem chora demais,
sem querer as imagino
carpideiras do destino
chorando em teus funerais
Velha carreta esquecida,
desengonçada e capenga ,
foste a maior andarenga
que o Rio Grande conheceu.
Quase a ninguém hoje
importas,
no museu das coisas mortas
o Progresso te esqueceu!