BOLICHO

Apparício Silva Rillo

 

Paredes de pau-a-pique,

sete braças de comprido,

chão de barro bem batido,

cobertura de capim.

Garrafas nas prateleiras

se entreveram com chaleiras,

peças de chita e de brim.

 

Balcão picado de faca,

com algum buraco de bala,

posto ao comprido da sala

assim meio atravessado.

Um banco pra freguesia

e um letreiro que anuncia

que não se vende fiado.

 

Bolicho de portas largas

que não respeita feriados,

que só fecha nos Finados

e no dia da Paixão.

Bolicho que dá-se o gosto

de nunca pagar imposto

pro Tesouro da Nação!

 

Num desafio de risadas,

entre um trago e uma fumaça,

um índio mente de graça

debruçado no balcão;

vai repontando lorotas,

com o cusco rente das botas

e a faca rente na mão!

 

Enquanto junto à ramada

a tava embica na areia,

num tiro de volta e meia

lançado com precisão,

da barriga das guaiacas

saltam libras e patacas

pro pano verde do chão!

 

De repente estoura o "rolo"

sem que se saiba o motivo!

Rude embate primitivo

onde advoga o facão,

onde o Juiz é o destino

que às vezes, fora do tino,

castiga quem tem razão!

 

Quanta saudade ao lembrar-te,

bolicho do meu rincão,

plantado rijo no chão

na volta de um corredor.

Centro social da campanha,

onde se afogam na canha

os deserdados do amor.

 

Bolicho beira de estrada!

a tábua de teu balcão

é a mesa de comunhão

da gauchada gaudéria;

é o rude confessionário

onde o guasca solitário

chora as mágoas da miséria...