Canto de Amor ao Alegrete
Antônio Augusto Fagundes
Tudo que eu quis desta vida
foi ser um dos teus poetas
para cantar-te, Alegrete.
Foi assim desde guri
apreendendo, no Inhanduí,
uma outra geografia,
vagando de rio em rio
dentro do teu território:
um pouco de desafio
mais gaúcho, mas inglório,
sentindo em tua poesia
o caudaloso Ibicuí
feito de pedra e de areia,
o Caverá, que incendeia
o lendário do meu pago,
o Ibirapuitã, que trago
latindo em cada uma veia...
São artérias, esses rios,
tão de prata -minerais!
e os arroios, viscerais,
e as sangas, que olham o céu.
Ah, tuas águas, Alegrete,
violentas em cada enchente,
quando ranchos e gente
e secas, em cada estio
No fundo, eu também sou rio,
igual aos rios que bebi!
Mas tudo que eu sempre quis
foi ser um de teus poetas,
uma das almas inquietas
que andejavam por aqui.
Ou se foram para longe:
Quintana, poeta, anjo e monge,
duende-menino e povoeiro.
E Juca Ruivo, um "pombero",
estranho gênio mateiro,
misto de poeta e guerreiro,
com alma de guarani.
Helio Ricciardi,
a quem vi
piazito, com quem cresci,
perdulário de poesia,
pródigo de fantasia,
eternamente guri.
O melhor que eu conheci!
Cyro Leães,
médico e santo,
a quem admirei tanto
pela inteireza moral,
pela cultura geral
e a poesia sem igual.
Paulo Leães,
"ligeira" -e quanto!
flor de mato, sem espanto
escondendo o próprio canto
como quem esconde o pranto,
alma sofrida, a doer.
E como hei de esquecer
Lacy Osório, o operário
das águas e das correntes,
duro eterno, mas coerente
com o que sobrou da semente
do grande sonho social
que se quis universal
e se perdeu nas alturas?
E outra dessas figuras
como quem queria ser,
campeiro a mais não poder,
tropeiro de estradas largas,
sem medo de horas amargas
que nem chegou a conhecer
-como, João da Cunha Vargas,
eu podia me igualar,
ter um lugar ao teu lado
junto ao fogo, pra matear?
Eu sempre quis ser poeta,
flecha, adaga, lança reta,
humano como um demônio,
divino como um fetiche.
Como Alcy
José Cheuiche,
rebelde e poeta-criança,
um derviche de esperança
e um palanque de confiança
desta nossa Tradição,
poeta, escritor, meu irmão,
sonhador dos mais profundos
a correr mundos e mundos
sem que o mundo mais imundo
profanasse a sua mão.
Eu só quis foi ser um desses.
Poeta mesmo, mas então
invejava cada irmão:
O Darcy, pura emoção,
cantor, músico e poeta
(que grande declamador!)
O Aldo, jeito de asceta
com dimensão de profeta,
sempre o melhor orador
que eu já ouvi em minha vida.
O João, soldado e gaudério,
a desvendar o mistério
de se amar estes Brasis,
orador dos mais sutis,
senhor do verso e da pena.
O Bagre, uma fada morena
deu-lhe tudo: inspiração,
a esportiva vocação,
a gaitinha e o violão
e uma voz com emoção
a dizer cada canção
como se fosse oração.
o Júlio Cézar é um Juiz
gaúcho, orador feliz
que a cada frase que diz
reacende fogo e tição.
Deus não me deu o que eu quis.
Eu não sei tocar violão,
canto mal, mas a intenção
de todas a predileta
foi ser um dos teus poetas,
como um desses de que falo.
Alegrete, canto e galo!
Os cascos do meu cavalo
te aqueceram como forja:
do Patronato a São Borja,
de Rosário a Uruguaiana
campeando a estrela vaqueana
que eu mesmo escolhi um dia.
Sei de cór
a geografia
alegretense dos campos,
pagos, rincões, ventanias
e ao encher as mãos vazias
te andei tanto, te vi tanto,
te amei tanto, que o encanto
com pena de mim, um dia
sem me fazer dos teus poetas,
me transformou em poesia.