Não,
já
não são mais de mim arrancadas
que
a um corpo velho só restou defeitos.
Os
horizontes turvos do meu peito
já
tiveram a cor das madrugadas.
Também
fui moço
e
parti a inventar um mundo novo,
o
braço verde, o peito pelechado,
os
olhos claros refletindo, alçados,
a
cor do céu, boiando nas aguadas.
Eu
era o capataz do meu destino
e
empurrava a pobreza nos encontros,
varando
a vida arisca feito um potro,
levando
sempre um ideal de tiro,
A
lua cheia a gauderiar comigo
me
alumiava os rumos da cruzada,
com
meu sorriso de topar parada
e a
voz de calmaria no perigo.
E
eu tive coragem na vigília
e
tive por fortuna a juventude
e
aqueles sonhos de quem tem saúde
no
aconchego tranqüilo da família.
Nem
o trabalho, nem a dura lida
me
achou amargo, nem me fez cansado.
E
eu fui um pouco um tigre renegado
para
buscar o brabo pão da vida.
As
minhas cartas
não
vieram marcadas para o jogo,
mas
eu peguei na brasa e comi fogo
e
me lambi do suor para consolo.
O
meu caminho, que encontrei tapado
eu
fui abrindo a foice e a machado,
e
se algum dia eu levantei telhado
eu
amassei com os pés o meu tijolo.
Os
meu baguais,
fui
eu próprio quem teve que domá-los,
pois
não se emprestam nem se dão cavalos
a
quem não tem nem onde cair morto.
Mas
a cada golpe,
a
cada tirão que eu dava e recebia
o
velho sonho se fortalecia
de
um dia ter tropilha e criar potro.
Ah!
Mocidade arisca que dispara!
Eu
tinha muita força no tutano
e a
coragem de armar meu próprio plano
sem
o receio de quebrar a cara.
Então
derrubei mato, e na coivara
plantei
a saraquá, milho de cova,
e a
minh alma brotou na roça nova
que
o meu próprio machado derrubara.
Ver
a planta que nasce é ter um filho.
Eu,
que plantara um sonho de fartura,
via
crescer tão verde e tão segura
minha
ilusão, com que adubara o milho.
E
plantar outra vez a terra miga...
A
mão da enxada é a mesma da guitarra.
O
meu braço operário é de formiga
e
alma cantadeira é de cigarra.
E o
sonho criador se fez um dia.
A
vaca mansa, vinda por leiteira,
amanheceu
num canto da mangueira
transparente
de luz, lambendo a cria.
O
sol é o mesmo, mas é outro o brilho,
a
semente madura é fecundada.
E a
jovem moça, eterna namorada,
incha
a barriga para ter meu filho.
Como
uma ave grande, sob as asas
chama
e protege uma ninhada inteira,
eu
apontei pro céu outra cumieira
e
ergui mais um puxado para as casas.
E
as nossas quatro mãos foram pequenas
pro
cercado, o pomar, o pátio cheio.
E o
céu amanhecia nas estrelas
dos
olhares da prole que nos veio.
E
vieram bonecas e petiços,
as
tardes domingueiras se passando.
Nesse
tempo os verões andam voando
se
a gurizada cresce em pleno viço.
Depois,
são os colégios, a cidade.
Há
que tocar-se a vida para a frente.
O
pago então é um sonho decadente
sobrevivendo
em brumas, na saudade.
Agora
cada qual faz seu caminho.
Batem
asas os filhos quando emplumam,
mais
dia, ,menos dias, todos rumam
a
construir seu próprio rancho e ninho.
De
um sonho criador, quanto carinho,
quanta
saudade boa pra viver
na
sina de cumprir este destino
de
criar filhos pra depois perder.