RETRATO
Estas
botas parecem da família,
desbotadas
de suor e água de sanga,
lustrosas
das correias das esporas,
com
seus bordados que teceu o mato,
desenhados
a mãos de unha-de-gato
e
japecanga.
São
velhas botas de solado gasto
já
deformadas de viver de arrasto.
A
bombacha vem cheia de remendos,
já
tão rala nos joelhos e fundilho.
Nos
joelhos gastou com cada filho
que
me subiu ao colo
em
busca da canção
de
campear sono.
O
fundilho se foi na lida bruta
de
amansar potros e de sovar pelego.
E o
pano original se foi comendo
até
meio sumir-se entre remendos
em
triste imitação da alma do dono.
A
guaiaca vermelha, sem curtume,
que
muito carregou armas de briga,
mal
me suporta o peso da barriga
como
na espera de que um dia a aprume.
O
lenço é um maragato desbotado,
este
brasão que ondula no pescoço
e que é o mesmo que andava, quando moço
a
tremular aos ventos, no passado.
E
que dizer das guascas, do chapéu...
Um
lombilho quebrado, uns pelegos
rabonados
de uso,
as
cordas ressequidas,
dão-me
a idéia, talvez, de algumas vidas
que
se preparam pra enfrentar o céu.
E
poncho, e cama, e rancho em desalinho,
há
em tudo um retrato mal traçado
do
muito que já tive no passado
e o
pouco que restou neste caminho.
E a
alma – Santo Deus – a alma,
como
andará por dentro a velha bruxa?
A
cada dia mais serena e calma
mas
cada vez mais guapa e mais gaúcha.
Resignação,
amor, saudade, espera,
nas
lembranças de um tempo que foi lindo.
E
uma réstea de luz, tremeluzindo
para
as tardes azuis da primavera.