DUELO FARRAPO

Alcy José de Vargas Chiuiche

 

Bento Gonçalves sereno

Saudou Onofre com a espada

E logo então foi travada

Às margens do Sarandi

Uma luta Guarani

Em velho estilo de França

Que cerrou na mesma trança

Guerreiros de grande porte

Olhando de frente a morte

Que entre os dois se balança.

 

Onofre, um touro furioso,

Cobrindo o lombo da terra

Um Coronel que na guerra

Fez curso de ferro e fogo

Fôra arrastado no jogo

Da política atual

Ofendendo o General

Cuja honra imaculada

Foi bandeira desfraldada

No campo meridional.

 

Entre homens de tal fibra

O sangue lavava a ofensa

Estribados nessa crença

Se vieram ao campo aberto

Para que premiasse, o certo.

E castigasse o errado

O destino co culpado

Ou a destreza no braço

Num entre choque de aço

E de ódio acumulado.

 

O pampa perdeu a fala

O silêncio foi completo

O céu, um imenso teto,

E a coxilha, uma campa,

Emoldurada em estampa

De verde, azul rebuscado,

Ante o duelo abarbarado

De tanto porte e grandeza

Que a própria mãe natureza

Ficou de bico calado.

 

Esbelto e fino de corpo

Um “Dartagnan” do Rio Grande

Bento Gonçalves se expande

Num estilo de peleia

Sem rédeas e sem maneia

Envolvendo o contendor

Experiente lutador

Mas de pouca agilidade

Que sente o peso da idade

Mas se bate com ardor.

 

Num molinete ligeiro

Seguido de uma estocada

Bento rasga, com a espada,

O braço esquerdo de Onofre

E notando que ele sofre

O sangue rubro, correndo,

Sentiu o pulso tremendo

E o coração generoso

Venceu o ódio, orgulhosos,

Que a muito, vinha contendo.

 

Coronel Onofre Pires!

Eu me dou por satisfeito

E sinto-me no direito

De suspender a contenda

Não há honra que se venda

Para um homem de respeito

E o sangue, é o único jeito,

De se lavar uma ofensa

Tirando-se a diferença

Num combate, peito a peito.

 

O mundo é muito pequeno,

Para nos dois, General,

Nosso duelo é desigual

Mas não me dou por vencido

E já considero esquecido

O que acabo de escutar

Continuamos a lutar

Reiniciamos o combate

Pois um macho se bate

Só a morte pode parar.


 


Rasgando a camisa ao meio

Improvisou a atadura

E foi tão nobre a figura

Que nos enche os olhos d’agua

Pois vencendo sua mágoa

O presidente Farrapo

Enrolou aquele trapo

No braço do contendor

Que mastigava sua dor

Como quem sabe ser guapo.

 

De novo trançaram ferro

E a decisão não tardou

Bento Gonçalves armou

A última arremetida

Em atuação decidida

Armou o bote final

Uma estocada infernal

Mordida de cascavel

Que varou o coronel

Numa posição fatal.

 

Não ficou ali, o Onofre,

Como talvez, o quisesse,

Sem uma vela, uma prece,

No lombo de uma coxilha

Boleando na dura trilha

Do destino que escondeu

Não foi assim que morreu

Mas contorcido nas dores

Nos pesadelos e horrores

Da infecção que sofreu.

 

Era David Canabarro

O farrapo comandante

O General o gigante

Que comandou uma aliança

Numa frase que não cancã

De vir a nossa memória

Simbolizando na história

De quem amou sua terra

Guardando o tino na guerra

Para nossa maior gloria.

 

Bento Gonçalves entrou

Na tenda do General

E num gesto sem igual

Dado o posto que ocupava

Disse a David, que olhava,

A cena com emoção.

Feri a pouco, um irmão

Eis aqui a minha espada

Minha honra foi lavada

De frente, sem traição.

 

Somente conheço um homem

Para portar essa espada

Guarde a lâmina sagrada

Que nos guia na vitória

E David botou na história

Com essa frase final

Da presilha sem igual

De um duelo legendário

Que nos guarda em relicário

A tradição.