PELA NOITE ALTA
Alceu Wamosy
Já reparaste? Pelo outono,
Nas noites frias e sem lua,
quando um silêncio de abandono
Cai sobre a enorme alma da rua
Como o beijo de luz que as janelas abertas
Põem nas calçadas tristes e desertas,
Faz reviver do fundo da memória,
Por um milagre de magia,
Um gesto morto e já olvidado,
O doce fecho de uma história,
Sombra de amor, melancolia,
Vago perfume do passado?...
Janelas alta noite iluminadas,
Deixando adivinhar, ao crivo da cortina,
Suaves palavras murmuradas
Por duas bocas bem-amadas,
E a exaltação das almas postas em surdina...
Eu recordo, perdida,
Longe, em um trecho azul da minha vida,
Uma janela assim:
Oásis de branca claridade
Dentro da noite, a transbordar felicidade,
Para o mistério de um jardim...
E o fantasma da minha mocidade
Só, debruçado junto a mim.