PELEANDO COM O TEMPO
Albeni Carmo de Oliveira
Bem no alto de uma coxilha
Um taura velho e cansado,
Apeou de um pingo tostado
Olhou para trás e para
frente,
E depois fechando os olhos
Como quem está sonhando,
Viu o pampa desfilando
Dentro de sua própria mente.
Enxergou em pensamento
O negro do pastoreio
E o piazito carreteiro
Assoviando uma toada,
Viu o boitatá, o lobisomem
Muita gente assombrando,
E o boi barroso berrando
Lá no fundo da invernada!
Escutou uma gaita chorando
Num fandango de galpão.
Viu peleias de facão
Viu osso clavando sorte,
Viu dois galos numa rinha
Que para provar seus valores,
Aos gritos de apostadores
Lutaram até a morte...
Viu um ginete domando
Um bagual manhoso e xucro,
Viu até jogo de truco
No meio de gritarias;
Viu gente que sem relógios
No sol ia se orientando,
Ou à noite tropeando
Pela Dalva ou Três Marias.
Viu também um quero-quero
O melhor dos vigilantes.
Com seus gritos alarmantes
Zelando pela querência.
Viu um peão entendido
No trançar do couro cru;
Trançando um laço, o xiru
Com calma, jeito e
paciência...
Viu benzedeiras cosendo
Com ramos fazendo curas,
Escutou a saracura
E o sabiá cantando,
Viu rolinhas e seriemas
Tantos bichos, que beleza.
E o hino da natureza
Quando o dia vem clareando!
Sentiu o vento minuano
Gelando até sua alma,
Viu um rio de águas calmas
Com peixes em abundância;
Viu matos com muita caça
Que aos poucos foram morrendo
E viu homens se abatendo
Por culpa da tal ganância!...
Enfim ele viu tantas coisas
E mudanças neste Estado;
Viu carretas, viu arados
Que engrandeceram este chão,
Viu uma tropa passando
Em direção à charqueada,
Viu reunida a peonada
Em dias de marcação.
Recordou velhos amigos
Dos idos tempos da infância,
Gente criada em estância
Nas lidas do interior.
Desde o humilde plantador
Ao mais valente campeiro,
Que sonhando com dinheiro
Se
cambiaram para a cidade,
E hoje só resta a saudade
Num coração tafoneiro.
E ali junto ao seu pingo
Herança que lhe restou,
Tanta coisa recordou
E tamanha dor sentia,
Que quando abriu os olhos
E olhou novamente o pago,
No seu rosto de índio vago
Uma lágrima escorria...
Depois montou novamente
No seu amigo tostado,
Sabendo que do passado
Só lhe resta recordar.
Pois sabe que com o progresso
Embora ajudando a gente,
As coisas de antigamente
Nunca mais hão de voltar!
E esporeando o seu pingo
Olhou bem para o infinito;
E ao vento soltou um grito
De alerta, um brado de
guerra.
Pedindo para a juventude,
Que vier daqui para a frente
Que defenda bravamente,
As tradições desta terra!...