DE PASSAGEM

Rodrigo Bauer

 

Pelo campo e a paisagem,

por tantas outras paragens

eu estarei, de passagem,

sem me apegar, pois, se, então

nada se leva da vida,

(nada, depois da partida)

essa ambição desmedida

não tem nenhuma razão!

 

Porém, eu faço questão

 

que esses meus olhos de enxergar distâncias.

ao se fecharem, mesmo em desalinho,

guardem a luz de todos os caminhos

que me trouxeram desde a tenra infância;

 

que o coração, guerreiro sem escudo,

ao silenciar, de vez, os seus tambores

não carregue mágoas e rancores,

somente Amor e Gratidão por tudo;

 

que os meus pulmões levem, à terra fria,

algo do ar que o tempo tem soprado:

muito de brisa, um pouco de tornado

– a inspiração da própria poesia;

 

que os rins, enfim, a merecer descanso,

filtrando extremas gotas de vazio,

tenham o sal do mar e algo dos rios

para lembrar procelas e remansos;

 

e tenha o fígado, nalgum momento,

(o velho mártir de uma vida impura)

uma homenagem por sua bravura

e não lhe falte o reconhecimento!

 

Que a terra me seja leve!

Sabendo que a vida é breve

nem o mais touro se atreve

a desdenhar da paixão...

Deixarei tudo o que posso,

a pele, o cabelo, os ossos...

No fim, nada disso é nosso,

nem cabe um usucapião!

 

Porém eu faço questão

 

que, após a morte e seu punhal de espanto

seja doado tudo o que é preciso

para que a luz trigueira de um sorriso

triunfe sobre a escuridão do pranto!

 

Assim, meus olhos se abrirão de novo...

Meu coração retomará o compasso!

Mesmo a serviço de outros novos braços,

mesmo no seio de algum outro povo!

 

O doador deve avisar os seus...

Ele é, de fato, um ser reconhecido!

Sabe, da vida, o seu real sentido...

E é muito próximo do próprio DEUS