AÇUDE GRANDE

Joseti Gomes

 

O piá nasceu num rancho

plantado em cima da terra

registrada com divisas

de águas do “Açude Grande”.

 

Mirrado, de pernas finas,

palavras presas e sonhos...

Desejos de corredor...

Batizado por “Luís”,

um guri solto nos campos

onde cavalos e bois

comiam palhas de arroz

na volta de um secador.

 

Quando a chuva vinha mansa

para uma estada comprida,

o “Açude Grande” crescia.

Ao derramar suas águas

afogando pasto e brejos

naquele espelho gigante

com moldura de aguapés,

tudo, em volta, renascia.

 

O guri não tinha medo.

Banhava o corpo franzino

na imensidão cristalina

estendida em quietude.

Nenhum sinal de perigo

na ousadia da infância,

ali, na taipa do açude.

 

Sempre assustava os pais

quando caía na água

fingindo morrer na guerra.

Ele banhava os sonhos

dentro daquelas águas

e mergulhava bem fundo,

pois não viera ao mundo

pra ser um peso na terra!

 

Cresceu demais, o guri…

Sentado junto da taipa,

do seu velho “Açude Grande”,

sentiu que chegara a hora

de escolher o seu caminho.

Pediu a bênção pra o pai,

pra mãe pediu proteção,

pra, depois, seguir sozinho...

 

Pegou seu rumo na estrada.

Na mala, poucos pertences:

sonhos, coragem, anseios

e o recorte de uma imagem,

se acaso sentisse medo,

para lembrar de onde veio.

 

Ele partiu num verão...

Deixou, pra trás, primaveras.

As folhas que desprenderam

no outono daquele ano,

sofreram com o abandono

que congelou a esperança

na solidão das esperas.

 

Os capões daqueles campos

não escondiam medos,

daquelas tantas histórias

contadas junto do fogo.

O açude ficou pequeno

com águas turvas e rasas,

sem a sede das casas

foi morrendo pouco a pouco.

 

O caniço e o bodoque,

pipa e canoa de palha,

trem de lata... abandonados...

Um mundo inteiro de infância

chamando pelo seu nome!

Os pelos do seu petiço

resistiram, acenando,

junto aos arames farpados.

 

Não se sabe pra onde foi...

Por certo, ganhou o mundo

que se rendeu ao menino

que aprisionava palavras,

que fingia estar na guerra

e sem entender de terras

plantava sonhos no açude

e renascia das águas!

 

Quem sabe lembre, um dia,

das brincadeiras de um piá,

de um inocente aprendiz.

Quem sabe, sinta saudades

e volte a pular da taipa

fingindo morrer na água,

que só sabia ser grande

pro seu menino, Luís...