Relato
da Flor Bordada
Matheus
Costa
Quem
me vê nada imagina
Do que
tenho por malgrado,
Pois
meu semblante bordado
Não
transparece jamais
Tantos
motivos reais
Que
conto desta maneira:
Fez-me
a vida, prisioneira
Da
costura e nada mais!
Não
fiz morada em jardins
Nem
nas tranças dos cabelos...
Não
pude receber o zelo
De
vasos junto à janela...
Restou-me
a seda amarela
De um
vestido – já surrado –
Neste
viver distanciado
Das
outras flores, tão belas.
Minhas
pétalas formosas
Bem
desenhadas no pano
Nenhum
espinho profano
Pode
tê-las ao alcance,
Mas no
silente relance
Pouco
vale esta morada
Se
presa por ser bordada
Não
posso enfeitar romances.
Muito
mais aceitaria
O
espinho com seus puaços
Ante a
ausência de abraços
E
rondar entristecida
A
inveja de ser colhida
Num
fim de tarde qualquer
E ser
bem ou mal-me-quer
No
jogo eterno da vida.
Toda
flor é romanceira
Seja
por mimo ou regalo
Quando
presas pelo talo
Num “ramito” enserenado
Vão
rumo a ranchos quinchados
Onde a
saudade é uma espera,
Pois a
própria primavera
Mora
em lábios adoçados.
Lastimo
ter esta sina...
Quisera
viver faceira!
Mas
por mãos de costureira
Tocou-me
o dito costume,
De não
aguçar o ciúme
Dos
olhares cruzadores,
Jamais
ser sinal de amores,
Tampouco
exalar perfume.
Carícias?!
Pouco conheço!
Longe
de beijos e afagos
Adormeço
em berço vago
Com
silêncios de amplidão,
Bem de
encontro ao coração
Fui
bordada, com bom jeito
Pra
talvez florir um peito
Que
também tem solidão.
Não
tive o espelho das sangas
Pra
mirar meus olhos negros...
Não
guardei em mim segredos
De
juras nas madrugadas,
Aqui
da minha morada
O
tempo passa tão lento
Que
perdi meus sentimentos
Por
entre linhas cruzadas.
Por
vezes, pelos bailados
Algum
lenço, sem malícia,
Me
oferta leves carícias
Nas
bordas da minha figura,
Qual
se me contasse juras
Dos
seus mais puros desejos...
Mas
como entregar-lhe um beijo
Se
vivo presa à costura?!
Tanto
quis ser flor do campo
Destas
que nas noites longas
Inspiram
velhas milongas
Com a
D’alva no horizonte...
Mas
tenho apenas a noite
Na
escuridão de um armário
Onde
este silêncio diário
Mais
me condena aos açoites.
Sigo
assim, encarceirada,
Num
ciclo que não retorna
Sempre
tenho a mesma forma
Não me
assombram os outonos,
Mas
nada vale este “trono”
Se com
a agulha da saudade
Roubaram
minha liberdade
Pra
dar-me em troca o abandono.
E se
um dia, essa costura
Por um
acaso qualquer
Aos
poucos se desfizer
Num
despencar tão sofrido,
Apenas
rezo em pedido
Que se
existir outra vida
Eu
retorne sem feridas
Para
um jardim florescido.
Inocente
costureira,...
Não
entendas neste gesto
Que
meu relato é um protesto
Ao
fadário de tuas mãos...
Mas me
indago com razão
Se não
te toca o que trago,
Ou
também guardas amargos
No teu
pobre coração.