Penas

Heitor Gabriel Hartamann


As aves carregam penas,

Sem penas n'alma levar;

Carregam penas no corpo,

Penas para voar.

 

Os homens carregam penas,

Sem penas no corpo ter;

Carregam penas n'alma,

As penas do padecer.

 

Por penas são carregadas

As aves – leves, serenas;

Os homens, porém,

São carregados de penas.

 

Há penas que rasgam no ar

Os longes da vastidão;

Há penas que rasgam na terra

As fibras do coração.

 

Há penas que, em duas asas

- Folhas dum livro aberto -

Escrevem poemas mil

Nas curvas dum risco incerto.

 

Porém, as penas que escrevem

Nas linhas do coração,

Parece que não são penas,

Ou outras penas serão!

 

São penas agudas,

Penas que têm apenas

A aguda, ferina ponta

Das outras penas.

 

As leves penas das aves

Apagam logo os rabiscos,

Que em giros traçam no ar;

As penas do coração

Tão fundos traços deixaram,

Que a custo se apagarão.

Aves, que tendes penas,

Tende pena de quem,

Embora não tenha penas,

Penas, contudo, tem.

 

Tão leves são vossas penas

Nas curvas das revoadas:

Nas curvas da vida

As nossas penas são tão pesadas...

 

Um choque brusco de asas

Faz vossas penas cair

E leves na brisa brincar;

Os rudes choques da vida

Dão-nos, c'as penas antigas,

Novas pra carregar.

 

Aves, que pena,

Que as penas que temos nós,

Não são as penas

Que tendes vós!

 

Mas, não vale a pena,

Penas por penas trocar.

Penas são sempre penas,

Na terra e no ar.

 

Tivesse eu, porém, vossas penas,

- Não penas no coração -

As penas eu trocaria,

Em prova de gratidão.

 

Todas as vossas penas

Grato daria a quem,

Junto c'as próprias penas

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