Pelas Patas

 

Everton Michels


Terra batida, chão vermelho,

Pedras e campo aberto...

Do mais distante ao mais perto,

Conheço esse pago sulino,

Fui andejo, teatino,

Tropeiro por dom e gosto,

Sempre ostentando meu posto,

Por mais bruto, ingrato ou malino.

 

Sobre o lombo do cavalo...

Pelas patas dos muares,

Criei cidades e lares...

Neste meu Rio Grande vasto,

Cruzando a marca de casco,

Rumbeando o “Pago dos Santos”...

Na culatra, uma tropa de acalantos,

Na ponteira, um campeiro firme nos “basto”!

 

Desvendei como poucos

Os segredos do meu rincão,

Em cada encosto, neste chão

Remoía meus caminhos,

Relembrava então sozinho,

Meus anseios e pesares...

Dos ponteios e cantares,

Fiz meus eternos carinhos.

 

Por meu esforço, e sustento,

Dei vida a tantos povoados,

Que resistiram ao passado

E hoje se firmam, imponentes!

Abrigam fortes, tanta gente,

Topando todo impropério,

Os mesmos do tempo do império

Que ainda rondam o presente.

 

Mas um dia nossa gente

Há de cortar a raiz,

Curando esta cicatriz,

Destronando a impunidade,

Pra imperar a honestidade

E o respeito, entonado!

Que fique, então, no passado,

A injustiça e desigualdade.

 

Vaga a lembrança “a lo léu”,

Vai muito além do meu tempo,

Chega à Colônia de Sacramento

E se banha ao longo do Prata...

E “maula suerte” ingrata

Apresilhada aos arreios,

Toma das rédeas do freio

Quando a audácia, se desata.

 

Pra suprir a realeza,

Cruzo o Uruguai a nado,

Pra repontar do outro lado

Tropas e tropas de mulas,

Pros nobres, ostentar as ruas,

Seu luxo e necessidade,

Que até hoje, a quantidade,

É à medida que desvirtua.

 

A passo largo “caminho”

Cortando os campos gerais,

Nesses povoados, imortais,

Ergueu-se vida, nas rondas,

Em noites de lua redonda,

Afugentei os temores,

Recordei, paciente, os amores,

Num dedilhar de milonga...

 

Nos caminhos do passado...

Vejo atrelada, a herança

Mil sonhos, esperança!

Que fiz nascer neste chão,

A beleza e a satisfação

Das obras da minha porfia,

E perpetuam nos dias,

O esteio de uma nação!

 

Tem força a minha prole!

Que ganhou vida, reiúna,

Foi Passo Fundo, Laguna,

Alegrete, Uruguaiana,

Da Serra à Terra Pampeana,

De Cruz alta a Vacaria!...

Existiria hoje em dia

Toda essa herança “cigana”?


Aos poucos ganho a estrada...

“Real”! pra ser preciso…

Nos rumos tão “imprecisos”

Desvendo o “Sertão das Lages”,

Mudaram-se as paisagens

Quando passo do Pelotas,

Por essas terras remotas,

Florescem as aprendizagens...

 

Mudo, ao léu, a direção,

Traço as linhas das Missões,

Não preciso de razões

Pra voltar ao chão vermelho...

Do sangue, de algum parceiro,

Que peleou por ideais

E enterrou seus ancestrais,

Dos quais a estes me assemelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Num upa, retomo o tino...

Não campeio mais as tropas,

É só a lembrança que brota

Quando ao norte “campereava”,

Dos chibos que “contrabandeava”

Até onde as minas ganham força…

Por mais que a história, distorça,

A Coroa é quem mandava.