O Mistério das Palhas

Carlos Omar V. Gomes e Bianca Bergmam

 


E lá se ia o tal velho

Com quatro cestos nas costas,

Cheios de palhas e sonhos...

Frente aberta nessa estrada,

Seis e meia da manhã.

 

No caminho mal piscava,

Não falava com ninguém;

Olhar de poucos amigos,

Na verdade de nenhum.

Trazia tempo e mistério,

Nas mãos o seu evangelho:

Sua força e nada mais.

 

Nada mais fazia falta,

Ao menos não parecia;

Ou muito bem escondia

As carências da matéria.

Nas profundezas da alma

Suas inquietudes e penas,

Tendo na estrada pequena

A confidente dos passos,

Nesse pequeno trajeto

De tantos e tantos anos.

 

Muitos cresceram com medo

Da realidade do velho,

Que toda manhã bem cedo

Cruzava a estrada do campo

Com quatro cestos vazios.

Buscava a palha e voltava

Pra sua casa sombria...

E lá ficava trancado

No seu mundo sufocado

Pela palha que trazia.

 

Esses todos que assistiam

Criavam toscas ideias

Sobre a razão dessas palhas...

Será que trazia embaixo

Algum chibo surrupiado,

Devidamente cortado

Pra disfarçar a função?

Será que mercadoria

Trazida lá do outro lado?

 

Afinal, o que era o velho...

Contrabandista ou ladrão?

 

 

Uns achavam que eram tralhas

De feitiço e bruxaria

Que toda a palha escondia...

Era feitiço, diziam,

Ignorantes com medo

De crenças desconhecidas.

Uns achavam que eram armas

De assassinatos traiçoeiros...

 

Afinal o que era o velho...

Feiticeiro ou homicida?

 

Outros pensavam ter joias,

Diamantes raros, tesouros;

Quem sabe barras de ouro

Escondidas nesses cestos.

Quem sabe toda essa palha

Que ele juntava seria

O combustível perfeito

Pra tocar fogo na vila?

 

Socorro, Virgem Maria!

 

Afinal o que era o velho...

Milionário ou incendiário?

 

As pessoas divagavam...

Espalhavam suas viagens,

Mas não buscaram por certo

Desvendar essas passagens,

Porque faltava coragem

Pra encarar aquele velho...

E os jovens viravam velhos

Ainda cheios de medo.

 

Porém eu muito curioso,

Cheio de medo e respeito,

Por fim encontrei um jeito

De indagar aquele velho.

 

Lhes digo que ainda quero

Ter um terço da humildade

Bem como um pingo da calma

E o mesmo tom de verdade

Daquele velho inocente,

Que tinha na voz cansada

As mesmas luzes da alma.


 

 


Cheguei de manso, solito,

E soltei um oh de casa!

De um jeito que nunca falha;

Logo depois, sem enleio,


Enfim perguntei ao velho

Qual o mistério das palhas.

 


O velho abriu um sorriso

Que tomou conta do ar,

E logo após, sem demora,

Ele contou devagar:

 

“- De onde eu vim, companheiro,

Os velhos sempre diziam

Que a tal da felicidade

É uma agulha num palheiro.”

 

“- Por isso eu suo na estrada...

O meu instinto não falha;

E até eu vestir a mortalha

Insisto nessa empreitada.”

 

“- Toda manhã busco a palha,

Seja sol, seja aguaceiro,

E faço um novo palheiro

Pra procurar a danada...”

 

“- Se eu achar fico faceiro...

Se não achar, não dá nada!