Nos Ermos de Onde Vim
Antônio Dirceu Barbosa
Rondando mansa,
pelas frestas de um galpão
com trastes de monarquia
- releitura
presa em dias -
onde os arreios sovados
moldavam lombos suados,
quando um pelego crioulo
era o mais rude dos tronos!
Quietude... sim,
meu silêncio galponeiro!
A marca, perdendo o timbre
nos vestígios corroídos
dos habitantes terrunhos,
legendários no passado.
Bocais, laços, maneias,
rédeas, buçais, cabeçadas...
A agilidade de mãos,
hoje, esquecida no chão
sem serventia pra nada.
Meu potreiro, frente aberta...
Com cinamomo orvalhado
naquelas manhãs de inverno,
de campomar abrigado
nos palas da serração...
Despovoado, desolado, distraído...
Creio que perdeu o sentido
de ter nascido potreiro,
já não tem mais parelheiros
para as pencas de domingo.
Sem tramela... nem
porteira!
Solitário e esquecido,
só a lembrança ligeira
que trago junto comigo!
Querência, ausência, silêncio,
pergunto, pra onde foram
os tantos desbravadores?
Aqueles, dos ponchos negros
e chapelões de toda a aba!
Eram homens, cavalos, bois...
Mas, como a poeira, se foram
na incerteza das quimeras...
Hoje, o rancho vive chorando
no silêncio da tapera!
Os agostos encardidos
com o lobuno das nuvens
aqui em mim, permanecem...
O brete velho, surrado,
e a mangueira carcomida,
aguardam, sem previsões,
o pisotear serviçal
de tropilhas e peões...
Um mundo de rituais
que hoje não temos mais
nessa querência esquecida.
A tal da “campeira vida”
fugiu das nossas retinas.
“Venha pra dentro, menina!”
“Cuida o cavalo, guri!”
Gritos que ecoam perdidos
nos ermos de onde vim...
Os patrões na casa grande,
a peonada no galpão,
o mate, a prosa, a comida
numa cozinha de chão,
a mais nobre construção
hoje, fantasma solita...
Será que o tempo é culpado?
Ou, quem sabe, solução
que, um dia, um pensar de peão
campeou acasos no rumo?
A querência perdeu sentido
pra quem resolveu levar
mulher, filhos e sonhos,
pra um mundo desconhecido...
Saindo da realidade,
onde tudo na verdade
se tornou pura ilusão...
Mas, lá longe no horizonte
ao dar a última olhada
sentiu puaços no peito,
- deixar assim, desse jeito,
sua história e raízes -
Cabresteava uma pergunta:
- Será que serei feliz??
E a querência ficou pra trás...
Assim é que se perdeu.
Por isso vou suplicando
e, nos meus olhos brotando
uma lágrima sentida.
- Fostes a minha vida...
Me criei domando xucros,
laçando pelos potreiros
no velho estilo campeiro,
bombacha, alpargata e chapéu...
Eu era ave no céu,
no sem fim das invernadas...
Assoviei coplas ao vento,
quebrei lençol de geadas,
enfrentei as mormaceiras
nas comparsas de verão.
- Eu sempre fui desse jeito!
Eu nasci pra ser peão!
Agora, virei silêncio...
Sou um traste que perdeu
a força, firme, dos braços...
Assim, vou levando a vida
meio atirado num canto...
Sonhando em voltar, um dia,
para curar as feridas
de um coração em pedaços...
Hoje, eu trago na alma
esta vivência de espera,
sigo um caminho rude
refugiado na quietude...
Hoje, sou eu a tapera!!