Crucificado

Joseti Gomes

 


Hoje eu fui tomado

por uma imensa vontade

de livrar-me, na verdade,

de tudo o que me atormenta...

 

Venho entregar-me a Ti,

Senhor, que tudo cura...

Despindo-me das armas,

desfaço-me de tudo...

Entrego-me inteiro!

 

Aos Teus pés, Senhor,

dispo-me dos rótulos

e da sede que consome...

Liberto-me da fome...

Corrói-me o corpo,

a seiva ácida que brota

das entranhas do meu ser...

Este grito que queima,

e teima em ser mais forte

que eu, hoje, encontrou

as porteiras abertas...

 

Quantos sorrisos dei,

mascarando uma verdade

escondida pelas sombras

das canhadas...

Quantos olhares deitei,

rasgando, cavando a terra

com ganas de touro brabo

em disputa pelo posto

de “senhor dos pastos”...

 

Cansei de dar o couro

pro abraço de uma marca

que crava os dentes e fere,

devorando a ferro em brasa

o fulgor da alma que o habita,

e que estanca o sangue da ferida,

bebendo as gotas salobras

derramadas sobre a pele...

 

Faço-me tempestade, agora...

Imploro a Ti, que me escutes...

Não mais deitarei ao lodo...

Eis-me aqui, Senhor,

toma-me todo!

 

Eu calei minhas dores,

minhas chagas sangrentas...

Eu calei meu rio de lágrimas...

Eu vi os ciclos das luas

se deitando sobre a terra,

amarelando horizontes...

Não brindei taças de vidro,

nas noites de garfo e faca,

para o prazer dos amantes...

 

Pisei a terra com calos

endurecidos de estradas...

Cuspiram na minha cara,

falsos santos de madeira

que não sabiam rezar...

Decifrei o som das águas

caídas desses telhados,

que cobrem tantas cabeças

vazias de pensamentos

e sem sorrisos no olhar...

 

Senti o peito doendo

quando entendi que,

quem muda não é o mundo,

sou eu...

Vesti as roupas surradas

e meu suor me ungiu...

 

Hoje eu fui tomado

por uma imensa vontade

de livrar-me, na verdade,

de tudo o que me atormenta...

 

De braços abertos, revelo-me à Ti...

Mostro-me... Doendo...

Meu grito, desesperado,

suplica Teu nome...

A solidão me consome...

 

O Amor é Tua lei...

Das coisas que sei

resta-me contemplar-Te,

Cristo morto,

que comunga dessa entrega

do alto das minhas paredes...

 

Liberta-me...

Eis-me aqui, Senhor...

Braços abertos...

Perdoai os meus pecados!

Diante da Tua imagem,

refletida em minha cruz

me entrego, Cristo Jesus!

 

Crucificado...!