OS OLHOS DA INFÂNCIA

Marcelo Domingues D’Ávila

 

 

Os olhos da infância

bombeiam distâncias

pra além das cancelas

e erguem castelos

das pardas paredes

de antigas taperas.

 

Em toscas taquaras

enxergam pelagens

de fletes de guerra

e sobre seus lombos

se lançam, valentes,

em brutas refregas.

 

As mãos pequeninas

empunham espadas

de galhos de angico;

 Em cargas heroicas

enfrentam sabiás,

pardais, tico ticos.

 

Os olhos da infância

desenham figuras

nas nuvens do céu:

Nhandús, jacarés,

a cuia do mate,  

um poncho, um chapéu.

Nos dias de vento

inventam milongas

nos fios do alambrado

e a beira do açude

compõem melodias

pra um coro de sapos.

 

Namoram as flores

que enfeitam de cores

o verde do campo

e morrem de amores

pensando em cambichos

nas portas dos ranchos.

 

Os olhos da infância

têm medo da noite

e as sombras que traz:

as almas penadas,

talvez, lobisomens.

sacis, boi-tatás.

 

Em volta do fogo

se fixam, atentos,

nos causos que escutam,

a bruxa-princesa

que vive escondida

nos fundos da gruta:

 

O velho sobrado

que um dia foi palco

de revoluções

e esconde em seus cantos

Pedaços de história

e assombrações.

 

Descobrem poemas

nos latos mais simples,

nos mínimos gestos

e voam sem asas

sonhando acordados

de olhos abertos.

 

Os olhos da infância

vislumbram a beleza

das coisas singelas

por isso as crianças

em sua pureza

são todas poetas.

 

Porém, quando crescem,

os olhos da infância

se tornam tristonhos:

esvai-se a poesia,

acorda a ilusão,

desfazem-se os sonhos.

 

Aos olhos adultos

castelos são poeira

que o vento desmancha;

E, além das cancelas,

o campo é o limite

que a vista alcança.

 

As guerras são outras

e já não existem

heróis de a cavalo

e a fantasia

é um flete que poucos

conseguem montá-lo.

Os olhos adultos

não sabem, por brutos,

que a alma envelhece

e enxergam apenas

a imagem precisa

que o espelho reflete.

 

Não sabem, por certo,

que há um mundo invisível

por trás dos espelhos,

somente olhos puros

- de infância e poesia –

É que podem vê-los.

 

Será que a poesia

Também envelhece?

Ou só adormece

Num sono profundo

E fica esquecida

Quando a gente cresce?

 

Que lindo se um dia

Desperte a poesia

Dormida em criança!

E então, nossos olhos

Enxergam o mundo

Com olhos de infância.