DUAS TAÇAS DE CRISTAL

Joseti Gomes

 

Eu pensei que estava viva

por ver que a respiração

movimentava meu peito...

O ar entrava e não via

que o outro ar que saia,

tinha marcas de cansaço

de um esforço que era em em vão.

 

Na sala de cirurgia,

todas as portas trancadas...

Se existia esperança,

era triste feito a dança

de quem vive de ilusão...

 

Enquanto o pasto crescia,

mudando o campo de cor,

nasciam dentro de um peito,

como pássaros sem asas,

cristais que eu não conhecia;

Silenciosos, escondidos,

feito um vulcão que dorme

e acorda sem avisar,

incendiando a alma inteira

quando começa a queimar...

 

Eu, entretida com os dias

que vinham trazendo sopros

- de exteriores que vibram

quando os olhos deslumbrados,

vislumbram, embriagados,

somente as aparências,

esquecendo que a essência

carrega muito mais que a verdade,

esqueci-me a realidade

e descuidei do meu peito,

que me avisava de um jeito

que eu não compreendia...

 

Era o inicio de um fim...

Os cristais desconhecidos

cresciam dentro de mim...

 

Na juventude foram "taças",

que por muitos desejadas,

mantinham-se preservadas

na rigidez de um olhar,

de quem deu a sua vida

despejando sua benção

pros meus caminhos incertos,

neste mundo do avesso

onde tantos pagam caro

desconhecendo seu preço...

 

Campeando o rastro dos sonhos

o amor brindou-me a vida...

Do cálice, jorrou o leite,

néctar pros que chegavam,

sedentos desbravadores...

Era a mãe se sobrepondo

 aos sentimentos de um ego

que a solidão vem impor;

Era a mãe sentindo amor,

amamentando o seu filho...

 

Velei o sono de tantos,

amanhecendo acordada!

Atenta a dor das paixões!

Atenta a dor de um consumo!

Atenta a dor de ilusões!

Num rancho de olhar estrelas,

olhei por todos os meus...

Meu rancho de olhar a lua

não previu a dor que veio...

Segredou, se houve motivos...

Deitada sobre meu leito,

dividindo meus espaços,

esses cristais em pedaços

consumiam os meus seios...

 

Agora atenta ao meu corpo...

Agora, tarde demais?

Amanheceu um céu triste

e o sul não apareceu...

Choveu o dia... chovi eu...

A erva azedou o mate...

Meu olhar de horizontes  

Não mais abriu as janelas...

Despi-me das águas doces,

Banhei-me em águas de sal,

ao ver meus seios de outrora

transformarem, agora,

em pedaços de cristal...

 

Cristalizei-me inteira...

Endureci-me por medo...

Calcificando aos poucos

fui traída por mim mesma!

Quanto tempo sem tocar-me?

Me perguntou a ciência...

Com peso na consciência,

tocou-me a mão do destino...

 

Mudei por dentro e por fora...

O gosto amargo inundou-me

levando o brilho e a cor...

Cobri todos os espelhos...

Sem vaidade, sem estima,

abandonou-me o prazer,

levando todo o sabor...

Sem compreender de onde vinha

essa cruz  para carregar

juntei forças que não tinha

pois, precisava continuar...

 

A estrada se fez escura...

Machuquei quem mais amava

ao carregá-los comigo,

nesta batalha sem nome,

que aos poucos me consome

onde me vejo vencida...

Machuquei me ao vê-los tristes,

sofrendo pela impotência

de viver, na minha ausência,

como crianças feridas...

 

Me alimentei de palavras...

Bebia carinhos, abraços,

bebi a bula da cura...

talvez eu tenha deixado

pra beber tarde demais...

 

No silêncio "eles" chegaram...

cresceram quietos, cruéis,

desenganando os fiés

que, ao orar não vigiam...

Por isso eles silenciam

e calcificam os seios,

que entre seus devaneios

não veem o mal se espalhar...

Enquanto a noite se deita

a terra vai se enfestando

e a praga se enraizando

sem dar tempo de acordar...

 

Agora, de olhos fechados

escuto esse ir e vir

do ar da respiração...

Não sei se ainda estou viva...

A mesa foi arranjada

para um só brinde,

quando chegar o final...

Se for a Sua vontade,

segue o milagre da vida!

Ou, com a minha despedida,

 nada será servido...

O gelo é cacos de vidro,

e atiradas sobre a mesa

duas taças de cristal!