José Luiz Flores Moró
Havia uma rua...
Uma noite de lua...
E, inevitavelmente,
um borracho... com a alma de uma estrela xirua...
Em seu córrego negro,
como uma cobra campeira serpenteando em trevas,
a rua perfurava as vísceras da noite...
E noite... bruxa bandida a gauderiar no escuro...
Languidamente
espionava o campeirar da lua...
O pinguço boêmio arrastava o porre
por entre postes que pariam luzes
estranhos cordões umbilicais...
Há sempre uma china no torpor do álcool
E um triste adeus a justificar os "goles"...
Quando a imagem dela relampeja uma saudade,
somente o "fogo" que encandeia a mente
faz suportar a dor e a ansiedade
que o coração ferido, insuportavelmente, sente...
Uma coruja acompanhava o vulto
aparceirando, curiosa, aquele taura,
sem entender porque e que tantas curvas
eram cavalgadas numa cancha reta...
Os olhos turvos na pracinha morta
miravam horrendos vultos transparentes
e parecia, na visão opaca,
que almas disformes de zumbis crioulos
tomavam mate... Como fossem gente!
A lua...
Cheia de cambichos e intenções de malevas,
descaradamente, estuprava a noite...
E a noite...
Nas indecências de quem está no cio,
Escancarava-se toda... recebendo a lua...
As árvores...
Acenavam as folhas para a brisa fresca
e movimentavam o asfalto com o balé das sombras...
Engolindo estradas, ele bebia esquinas
como um peão sem conhecer o lombo,
ele gineteava os pangarés de assombros,
procurando... sempre procurando...
Nos labirintos e confins da noite,
os sacis e boitatás teatinos
que são parceiros nessas horas ébrias,
mas que riem sarcásticos dos tombos...
A alameda, qual soldados verdes
marchava estática no beiral da rua,
direcionando o "pau d'âgua" em seus aprumos,
como se o destino, no cambiar dos rumos,
fosse um chamamé tocado num fandango,
que faz as pernas bambas que suportam o corpo
trançarem os passos e dançarem um tango...
As horas?
Que importava nessa hora,
se não há horas nesse tempo incerto...
Sabia apenas que existia estrada
e que ela bastava para fazer chegada
por mais distante que estivesse o perto...
Aquela ingrata que o deixou de porre
renascia... translúcida... na mente
e a dor baguala que flechava a alma
queimava muito mais que a aguardente...
Embebido no álcool não ouvia
um barulho de motor lá no horizonte,
mas os olhos atinavam, embaçados,
as luzes guapas que clareavam a fronte...
No pó... o corpo que voltou ao pó...
No chão... a inércia de quem foi um corpo...
Um bêbado triste que vagava só
e o amor que finda num cupido morto...
A vida fez se trevas... como a noite!
A lua fez-se finda... como a rua!
E a noite... simplesmente... fez se noite!
Agora...
Somente as árvores acenam as folhas para a brisa fresca
movimentando o asfalto com o balé das sombras...
Na vida que continua...
Segue apenas uma rua...
Uma noite de lua...
E, inevitavelmente,
um corpo... que devolveu a alma para a estrela xirua.