DE QUANDO A NOITE TEM BOCA
Ari Pinheiro
A boca da noite tem vozes
sussurrando entre os moirões
ecoando pelos grotões
num discurso abarbarado
"O passo mal-assombrado.
depois do poço do Nico;
La-pucha, chomico..."
- O causo me deixa tonto,
a boca da noite tem contos
nos sono tico-tico...
A boca da noite moça
Veste um luxo de matizes
carrega o pio das perdizes
que se escondem das raposas
traz o fulgor das esposas
escondidas entre os lençóis
que, com fogo de mil arrebóis
incendeiam corações
iluminando os galpões
lar de covardes e heróis...
Na boca da noite madura
há quem diga
que reverberam cantigas
de califórnias ocultas
vozes ha muito sepultas
voltando sempre nos ventos
dizem que são os lamentos
de mil almas indormidas
que um dia deixaram a vida
partindo antes do tempo...
É bueno abrir os ouvidos
para ouvir a boca da noite...
Há vozes que sao açoites
e outras, canções de ninar
porque basta ela chegar
pelo ermo dos rincões
que a sanga das emoções
derrama-se em nostalgias
lavando a grama macia
do campo dos corações...
Já ouvi, pela boca da noite
que o urutau agourento
traz sempre a morte nos tentos
pra quem cruza seu caminho
por isso quando sozinho
repassando os alambrados
espio meio assombrado
para o horizonte em brasas
e minha alma ganha asas
nas patas do meu tostado...
Nunca que a boca da noite
me pega nessas picadas
quartel de almas penadas
proseando causos
de antanho
esse proscrito rebanho
evito sempre que posso
vou descansar os meus ossos
na segurança do galpão
junto de um fogo de chão
debulhando um padre-nosso...
Não que a boca da noite
me faça perder o tino
ou que um medo brasino
me traga sempre mais cedo
vou lhes contar um segredo
que hoje me palpitou
mesmo taura como sou
temo que
essa boca encardida
acabe sussurrando pra vida
Que o meu tempo chegou!