O LIVRO DO CORAÇÃO

Matheus Costa

Este livro envelhecido

Tem marcas que eu mesmo fiz

E a própria vida hoje quis

Dar conta do que guardei...

Nos rastros que já cruzei

E o tanto que hei de andar,

Percebi que ao versejar

Confesso tudo que sei.

 

O abraço quando guarida

Mostra no gesto a clareza

Razão inversa à vileza

De quem esconde consigo

Armadilhas neste abrigo

Expondo em falsa proposta

Que a mão que afaga as costas

Jamais oferta perigo.

 

O espinho carrega a culpa

De ferir a quem afaga

- Casca seca e vida amarga –

Seu destino não foi pleno...

 Teve a bênção do sereno

Na vivência que lhe cabe,

E apenas ele que sabe

Que a flor também tem veneno.

 

A solidão é poesia

Escrita em verso calado...

Logo ao tê-la no costado

Se deixa de ser sozinho,

E, assim, revela aos pouquinhos

- Paciência não é cansaço –

Pois bem pouco adianta o passo

Se for maior que o caminho.

 

A confiança, se perdida

Talvez não ache retorno...

Na ferida do abandono

Descobre quem lhe merece,

Ao seu jeito, reconhece

Que diante à palavra errada

Bem mais vaie dizer nada

Num silêncio-quase prece.

 

O perdão é cura entregue

Aquém se aceita aprendiz

Do ensino que a cicatriz

Demonstra em paciência e dor,

Pois a fé só tem valor

Na reza de quem bem sabe

Que pouco adianta o milagre

Se o santo for pecador.

 

0 sonho, embora buscado,

Nasce e morre junto a nós

Será inverdade no após

Se não lhe cuida o presente,

E teima em contará gente

Sobre distância e saudade

Se acaso a felicidade

Toma um rumo diferente.

 

O tempo leva consigo

Nas rugas simples da idade

A real capacidade

De que ele mesmo conserve

Aquilo que a história escreve

E se transforma em lição,

Pra o livro do coração

Guardar somente o que deve.

 

O olhar, guardião da face,

Conforme este livro ensina

Carrega a eterna sina

De ser sinal da verdade,

E deflagra, sem piedade,

Alguém que com dita ira

Pensa que a voz da mentira

Calará a sinceridade.

 

Todo livro, embora antigo,

Traz consigo uma lição

Este, do meu coração,

Também não é diferente,

Em suas linhas, sabe e sente

Tudo que mais nos indaga

E entende as dores amargas

Que por vez invadem a gente.

 

Suas páginas são um segredo

Por nunca encontrarem fim

Contam do não e do sim

Do final e do começo,

Eu que tanto lhe conheço

Guardo na estante da alma...

Não o decifro sem calma,

Tão pouco o leio ao avesso.

 

Desta forma, folha a folha,

Descubro aquilo que sou...

E se o tempo me guiou

Me confesso por inteiro

Neste livro companheiro

Das horas que, sem aviso,

A saudade que escravizo

Faz de mim um prisioneiro.