A MENINA QUE SÓ QUERIA CRESCER
Bianca Bergmam
A
avó daquela menina já foi menina comigo.
Já
se foram tantos anos e ainda me lembro
bem.
Brincamos
pelas calçadas da casa branca dos sonhos
E
dos mistérios do tempo, com ela eu provei também.
Ela
cantava, sorria e me contava segredos...
Eu
me mantinha
em silêncio, pois não podia falar.
A
condição de boneca me limitava, impedia,
nem mesmo a vida do
abraço eu lhe podia entregar.
Ah!
Quantas tardes bonitas olhando os campos de seda...
Ah!
Quantas noites bonitas olhando um anjo dormir...
Mas
um dia me dei conta, que tudo que é bom acaba,
pois ela já se mostrava
tão diferente pra mim!
Amanhecia
em seus olhos, ela já não me buscava...
Passei
de melhor amiga, pra outro enfeite na cama.
Se
eu tivesse mil lágrimas, todas elas choraria,
pra voltar a ser poesia,
nos olhos da minha Ana.
Até
que um dia o destino veio dizer que eu seria
só outra boneca fria,
de tristeza e porcelana.
Passaram
sonhos e ventos, passaram anos e esperas...
Eu,
que antes fui o seu mundo, já nem no quarto pousava...
E
minha dor ganhou asas pra abraçar meu futuro,
quando a menina no espelho
já não se via menina,
eu fui morar numa
caixa, no fundo do armário escuro.
Não
sei precisar o tempo, mas ele passou de manso...
Ah!
Se eu tivesse mil lágrimas, outra vez eu choraria!
Pra
ver os sonhos crescidos da doce Ana sapeca.
E
toda noite eu pedia e toda noite eu rezava,
quem sabe o “deus” que eu
buscava,
não fosse o “deus” das
bonecas!
Me lembro,
era novembro, quando o escuro acabou...
Foi
quando um rosto de moça me pareceu familiar.
Chegou
e abriu a caixa, me deu beijos, me deu
banho,
me perfumou
de alfazema e apresentou-me outro sonho.
No
berço um anjo dormindo, sorrindo um riso de anjo.
Eu
ao seu lado espiando, podendo assim reviver.
Quem
sabe agora a menina se mantivesse criança?!
Quem
sabe o "deus” das bonecas, me permitisse crescer?!
Mas
não!
Não
cresci!
Ela,
no entanto, cresceu...
E
eu fiquei outra
vez a questionar meu futuro,
até voltar, longos anos,
à mesma caixa, no escuro.
Ah,
meu amigo soldado, me desculpe o desabafo!
Hoje
me vi
nesse mundo cheio de areia e de sons.
Não
entendo essas crianças todas juntas, nos balanços,.
devo ter ficado velha,
não repare no meu tom!
As
outras bonecas andam...
As
outras bonecas falam...
As
outras bonecas choram...
As
outras bonecas cantam...
Porém
nenhuma das outras consegue ser como eu.
São
frágeis, não sobrevivem a uma vida que cresceu.
Na
minha face, não tenho nem rugas nem manchas pardas.
A
mãozinha descascada dói em lembrar como foi.
Nos
cabelos os penteados de três gerações de amigas
e nas roupas coloridas
toda moda que passou.
Não
sei quanto tempo ainda resistirei nesse sonho!
Não
sei se os planos que tenho alcançarão meu futuro...
Talvez
a fé que procuro seja maior que mim mesma
e se renove no ventre
da minha caixa no escuro.'
Adeus,
amigo soldado!
Minha
menina me chama!
Hoje
eu brinco com a netinha da minha eterna sapeca.
Sou
a poesia que vive nos olhos de outra Ana...
Em
meu sorriso a certeza de ser a mesma Boneca,
Com
a vida plena de vidas, de Amor e Porcelana.
Na
saudade do passado, na alegria do presente,
na sina de tanta
gente toda a emoção que senti.
Poder
viver junto a elas, ser uma flor que não seca...
Graças
ao “deus" das bonecas...
Graças
a Deus, não cresci!