TROPEIRO DAS ÁGUAS

Edson Marcelo Spode

 

Dom Hilário, firmou a mirada

Pro lado que a chuva encilha

Balseiro de oficio e cartilha

Bombeando as barras do poente

É assim como o peito da gente

Quando em suas secas do amor

Campeia um bom "chovedor "

Ansiando que vire enchente.

 

E o velho Uruguai lendário

Embala a balsa igual berço

O balseiro reza o seu terço

Na névoa que o descortina

Enquanto transborda a retina

Do espelho manso das águas

Tropeia os sonhos e magoas

Rumbeando a pátria Argentina

 

Solta os cabos da canchada

Que o rio desenha o caminho

Teu chão é o cedro e o pinho

Barganhas pra algum vintém

Para os sonhos do Goio em

" La plata " em Santo Tomé

E para as horas de pouca fé

As preces de outro alguém....

 

E quando as asas da noite

Emponcham balsa e barranca

Uma nostalgia se abanca

Bem junto ao catre vazio

E a madrugada no cio

Dança com os vultos da mata

Enquanto respinga a prata

 Da lua beijando o rio.

 

Pras águas mansas tenência

Coragem nas corredeiras

A embirra ajouja as madeiras

E aperta mais que saudade

Mas um balseiro em verdade

Que o salto grande golpeia

Por certo também maneia

O que chamam... felicidade

 

Rio abaixo gineteando

Dois Estados amadrinham

São destinos que se alinham

Onde o perigo é a labuta

Talvez é a lide mais bruta

Na hora do tempo feio

No estouro desse rodeio

Não há mais quem reculuta

 

Cada curva é conhecida

Mas não paira uma certeza

Sempre a mercê da destreza

Do prático em sua manobra

O preço que um erro cobra

É um final sem despedida

Que adianta faltar a vida

Por ter coragem de sobra

 

Velho ditado oportuno

Que o bisavô repetia:

Na cancha de Santa Maria

Traiçoeira mais que serpente

Se não for guapo o vivente

A marreta desmancha a balsa

Assim como gente falsa

Destrói os sonhos da gente

 

O alvoroço da peonada

É balsa que entrou certeira

Contos de réis na algibeira

Pra agigantar o paysano

Há de afogar desenganos

No colo das madrugadas

Sorvendo ilusões compradas

Com sotaque castelhano

 

Tropeiros de águas passadas

Dos tempos de Dom Hilário

No mais primitivo cenário

Ofício dos mais valentes

Renomados ou indigentes

A mesma fração de glória

Que no esteio da história

Lançaram nossas sementes

 

Quisera eu ter a coragem

Que tivestes nessa lida

E tocar a balsa da vida

De forma sensata e mansa

Carga " buena" de esperança

Por esse rio da existência

E por uma fresta da ciência

Voltar ao porto... criança