ROMANCE DO TRANÇADOR
Mario Amaral
Com os dedos firmes no
cabo da faca
Pra tecer as cordas no
ritual campeiro
O punho certeiro vai
lonqueando tentos
Em dias de chuva ao calor
do braseiro
Ritual e romance num
gesto de pampa
Entrevero de guampas que
o campo iguala
Bocais e trançados nos
galpões terrunhos
Ofício e legenda que o tempo assinala
Trancei laço, relho,
cabresto, buçal,
Bainha,
mango, fiel, barrigueira, barbicacho...
Preparei arreios tauras com couro de boi brasino,
Pra proteger o carnal com
o pêlo virado pra baixo.
Cuidei de tapichi e laço
ramalhado
Pra retovar usei mordaça,
cravador e bom tino
Só esqueci lá na chuva
amanhecido
O couro cru pra o apero
do destino
O tempo foi de soslaio
deixando a marca da espora
Guasqueando a vida
apresilhada na ilusão
Quem tenteou a vida solito hoje se vê enredado
Em quatro tentos torcidos
das cordas do coração
Além do couro trancei o
rumo dos ventos
Tento por tento com o
aroma da courama
Mas esta sina foi além de
um doze braças
Desenrodilhou-se e pela
pampa se derrama
Não tive tempo de courear
o boi saudade
Que por malino só atende a relho e a grito
Só tive tempo de courear
o boi esperança
Que deixo de herança para
as mãos do piazito
A lida bruta temperada na
fumaça
Que a cisma perpassa com
tentos em sinfonia
Como eu quisera com os cabelos da morena
Fazer mil tranças de amor e de poesia
Nas horas ermas em que a
saudade vem de jeito
Adentra ao peito tal ponilha e faz estrago
Tomo um mate pra espantar
a solidão
E braceio um couro bom
pra tentear a tranco largo
A mim que trancei cordas
bagualas vida afora
Garreando as horas com a
força de um sovéu
Restou somente o próprio
couro garroteado
E a alma desquinada pra trançar tentos no céu