MEU VERSO JUDIADO

Caine Teixeira Garcia

 

Vai bem judiado o meu verso

Já quase vencido, estropiado...

Quem sabe, cansado da lida

E de camperear com o gado.

Bem estribado, ainda assim,

Firme nas pernas cambotas!

Com um par de estrelas de chão

Fazendo mossa nas botas!

 

Assoviando coplas ao vento

- milongas de um tempo antigo –

Dessas que a pampa oferece

Quase num tom de castigo!

Um palheiro meio apagado

Enfumaçando o bigode farto,

Um velho lenço a meia espalda

Um verso antigo, de fato!

 

Meu verso vai num tranquito,

Curtido do pó das estradas,

Deixando marcas no tempo

Com meias-luas cansadas...

Tem fome e sede incontidas

E uma cruz no céu encravada,

Que lhe aponta os caminhos

De ser querência e mais nada!

 

Sovando lombilho e badana

No sul do sul desse país,

Um desbravador de fronteiras

Mantendo viva a sua raiz!

E foi de tanto "bandeá" tropa

Em tempo feio e enfarruscado,

Que cedo aprendeu a manha

De encilhar com o pelego virado!

 

O meu verso leva à cintura

Um aço bueno que foi tesoura,

E que ele mesmo afiou

Num lombo de pedra moura!

... e dizem que é enfeitiçada

Essa xerenga de palmo e meio...

Certa feita, ao defender o verso,

Provou o gosto do sangue alheio!

 

No tirador, indeléveis marcas,

Timbradas por golpes de laço!

Batismos de pelo e sangue,

Riscos de guampa e balaço.

E a velha trança nos tentos,

Apresilhada pras "precisão",

São doze braças lonqueadas

De um boi arisco e refugão.

 

Parceiros, à sombra do verso

E do pingo - um flete de lei –

Dois ovelheiros gaúchos

Honrando a estirpe da grei!

Preso ao barbicacho de couro

Vai bem tapeado o chapéu...

O relho, junto à faca ou ao braço

"Respeito" seguro pelo fiel!

 

Meu verso cruza os corredores,

Vence sangas e mananciais...

Deixa rastros nas coxilhas,

Exala incenso dos pastiçais...

Arreios simples, pilcha modesta,

Nasceu campeiro - vive sem luxo -

Dialeto terrunho, bem da fronteira,

A velha essência de ser gaúcho!

 

Parido em meio a campanha,

Tornou-se o próprio Rio Grande!

A estampa da pátria sulina

Por onde quer que ele ande...

Talvez por isso a insistência

De andar bebendo horizontes,

Presente olfateando o futuro

Com a alma fincada no ontem!

 

O meu verso lapida suas rimas

Gastando esporas no pago,

Sorve lendas, cultura e vida,

Nas seivas do mate amargo!

Por ser viciado em cambicho

Tem cicatrizes de adaga e bala,

E o perfume das conquistas

Benzendo as franjas do pala...

 

A faixa antiga, e de bom feitio,

Chinchando uma de dois panos...

Um cinto largo, de couro bueno,

Meu verso é charrua pampeano!

 

Sem governante, sem dono,

Num jeitão simples e arredio,

Um poncho pátria nos tentos

Que é trincheira contra o frio!

 

O meu verso puro e ancestral

Vem das origens desse chão,

Do tempo das "garrão" de potro

E de apartar gado chimarrão...

Legado pulsando no sangue

De geração para geração,

Traz o canto nativo e criollo

Na garganta e no coração!

 

Mas como tudo que vive e existe

O meu verso vai se apagando,

Igual ao tropeiro e a carreta

Que ao tempo foram findando...

Mas por ser xucro e fronteiro

Ele há de deixar descendência,

Reverberando o gaúcho

Pelos rincões da querência!

 

Sim... vai combalido o meu verso,

E com ganas de desencilhar...

De largar o pingo pro campo,

E quem sabe, enfim, descansar!

Levando esperanças de tiro

- e a fé no Senhor meu Deus –

Adelante, judiado, prossigo,

Pois esse verso que falo sou eu!