ESTANCIADO

Marco Antonio Gotuzzo Antunes

Eu não te vejo tapera,

No meu olhar de interior

Aceso em cada lembrança,

Que moldou meu jeito manso,

De reencontrar tua querência,

Pelos caminhos que ando.

 

Amanheço em tuas mangueiras,

Com proteções de tronqueiras

E resvalos de cavalos,

Curando tempos de maio,

Dos apartes de abril,

Que o veranico marcou.

 

O potreiro em frente as casa,

Trazia um oh de casa,

Quando cruzava a cancela,

E o aroma da cozinha

Desmanchava-se em propostas

De caramelos de aboboras,

 

Charque e feijão mexido,

Com bendições de carinhos,

De quem ao fogão estava.

 

Estância é aprendizado,

Onde se aprende a viver

E, também a entender,

O valor das coisas simples,

Qualquer trabalho é importante

Desde o feitio de um "alambre",

Até o enfrenar de um cavalo,

A li a gente compreende,

Este universo do pago.

 

Lembro as tachadas de doce,

Nos sábados pela tarde,

O aroma das goiabeiras

Enraizadas no tacho,

Os vícios das pescarias

No açude enluarado,

Que tinha um gosto terrunho,

e a prece dos vagalumes,

Em meio a silhueta do gado.

 

E a camélia da frente,

Que emprestava suas flores,

Pra coroa dos finados,

Do cemitério local,

Que era um encontro da gente,

Daquele sagrado rincão,

Uns de a pé, outros a cavalo,

Não importava o tempo feio,

Pra quem tinha devoção.

 

O potreiro do banheiro,

A mangueira de pedra moura,

Casa do forno e galpão,

Pátio de pedra e algibe,

A cacimba da sanguita,

A paineira da quinta,

Campo dos mouros e figueira,

A horta e o cercadito,

E o carreiro das hortênsias.

 

O caminito do gado,

Entre o lajeado do fundo,

Caponete pitangueado,

Tarumãs e corticeiras,

Ali fui mais que um farrapo,

 

Encarnando minha raça,

Na infância de um legendário,

Lutando por meu estado,

Com meu flete de taquara.

 

Teus movimentos terrunhos,

De laço, encilha e repontes,

Esquilas, banhos de gado,

Carreta puxando lenha,

Ringindo pelo rodado,

Reflete minha condição,

De andar querência sempre,

Voando pelo inconsciente,

Sem me afastar do teu chão.

 

Nunca te verei tapera,

Nas luzes de minha lembrança,

Andas comigo nos gestos,

No jeito, no coração,

Levo aquerenciado

O perfil de um coxilhão,

Com paraísos sombreados

Oreando um verso estanciado,

Nas sestiadas de verão.