CARTA ABERTA A UMA
CORDEONA
Henrique Fernandes
"Cordeonita"
bem querer
De saudosa ressonância,
Guarda ecos das
distâncias
Com feição de alma
antiga.
Sinto pulsar em meu
peito,
E em meus dedos calejados
O doce dos teus teclados,
-Velha gaitita amiga-...
Contigo tive sustento,
Ergui minha própria
morada;
E nos bailes de ramada
Botei o soldo no bolço;
Garanti o pão na mesa
E por dentro das "bombacha"
Botei carne e botei graxa
Na minha "Tropa de Osso".
E feito um filho no colo:
Te aconcheguei num abraço.
Das alças feitas de um laço
Que me fizeram regalo:
Pra que eu sentisse tocando
Ao desdobrar o silêncio,
O mesmo amor que "Florêncio"
Sentia por seu cavalo...
Fomos Latinos, Surenos...
Fomos um todo, num só!
Fomos o vento e o pó.
Da pampa agreste oriental.
Contigo, -velha cordeona-...
Enrijeci o tutano
E atravessei o oceano
Cantando o pago bagual.
Só tu sabes dos medos,
Segredos e desencantos
E das "cosas" que amei tanto
Como um "baile de fronteira".
"Juntitos" envelhecemos
E chegamos no arremate
Lavando a erva do mate
Na cacimba missioneira.
O rancho ainda é o mesmo
Vejo meus filhos crescidos;
Agora amadurecidos
Regados de luz e fé.
E tu, velha cordeona,
Meu instrumento de guerra:
Contigo volto pra terra
"Na chama de um chamamé".
E ao findar a jornada
Deste plano para o outro,
Seremos "solo nosotros"
Cruzando o rio com o barqueiro.
E neste instante taipeiro
Que me translado em reponte,
Ao invés do tal Caronte
Me Voy com "Pedro Canoero".
Por certo transcenderemos
Sem precisar de inventário,
Pra seguir o itinerário
Junto a coroa de "Rosa".
E na quietude solene
Do dedilhar de algum grilo,
Eu me depare com o Rillo
Pra mais um dedo de prosa.
Deixo a ti minha "Cordeonita"
Esta carta de acalanto...
Seremos vida e encanto
Num cantar "Chamamecero".
E assim perpetuaremos
No crespo dos pajonais
Das barracas do Uruguai
D'algum encontro costeiro.
E a peonada da estância,
Recordará os acordes;
Dirão da gaita do "Borges",
E do sotaque fronteiro.
Seremos luz de candeeiro
Iluminando a Querência,
Na mais
genuína
essência
"Do coração de um gaiteiro".
E me despeço de ti
Com um verso da minha lavra!
E desta vez com a palavra
Faço a minha despedida.
Seguirei sempre tocando
Na forja que me fiz taita.
-Não fique triste, minha gaita!
Te espero aqui, noutra vida.