AQUELAS MÃOS

Guilherme Araujo Collares

 

Feito a raiz que estende ramos,

As mãos, nervuradas e duras,

Cortadas por veias azuis,

Corriam como rios

Num mapa cor de luar.

 

De baixo da manga do punho esquerdo,

O lenço branco de conter lágrimas

Passeava sob os óculos de aro negro,

Contrastando com o olhar azul violeta.

 

Aquelas mãos...

Que entendiam de ninar filhos e netos,

Cantando carícias de antigas melodias

De rondar tropas e vigílias carreteiras,

Recuerdo de outros tempos e lugares.

 

Aquelas pobres mãos descarnadas

Conheciam de bordados e agulhas...

E rendas de bilro.

 

E remendos em bombachas e camisas,

Renovando casas e botões,

Aprontando enxovais e costurando colchões.

E mesmo o triste augúrio das mortalhas

Que nasciam como antítese ao final.

 

Aquelas mãos descascavam marmelos,

Que depois da cosedura eram moídos...

E a pasta, misturada com açúcar,

O tacho terminava de compor.

Aquelas mãos que volviam carne viva

Da colheita e preparo das figadas,

Maculadas de amor e obrigação.

Aquelas mãos...

 

As mesmas mãos que, um dia,

Foram fortes e soberbas

E acariciaram o peito e os cabelos

Do homem que lhe foi predestinado.

Os mesmos cabelos alisados

Na despedida funeral de um qualquer dia,

Negreando as contas do terço

Enroladas contra o alvo da tristeza.

 

Assim como as despedidas,

Eram aquelas mãos Resignadas e conformes.

Em seus gestos, naturais e comedidas,

Por mais necessária se fizesse a reação.

 

Feito pássaros,

Voavam livres ao contar os causos,

Desenhando o passado aos olhos curiosos

De tanta gente que lhe conhecia a voz.

 

Como algo tão frágil na aparência

Continha tanta força?

Como alicerçavam toda uma família

Com a simples menção de um manifesto?

 

Quase sinto aquela seda

De seus dedos em meu rosto.

Quase entendo aquela alvura

Perpassando meus cabelos,

Enquanto sua voz, cálida e branda,

Desenhava histórias antigas

De antepassados e parentes.

 

Como aquelas mãos me fazem falta,

Desde o tempo imemorial de uma saudade.

 

As mãos da minha avó...

 

Aquelas mãos.