DE SOSLAIO

Cristiano Ferreira Pereira

De soslaio!...

Muitas vezes o pampa me olhou assim:

negaceando estribo pra um bater de cascos

na direção da vida que plantei pra mim.

 

De soslaio...

Esse entreolhar de relancina,

que mostra o descaso que já acostuma

à quem é assinalado pela sina brasina.

 

Quantas vezes os olhos passaram por mim

e não notaram;

Quantas vezes fiquei invisível pra quem

não quis me ver...

com mudez de alma que não sabe ouvir.

 

A lida embrutece!

Já disseram uns,

não permitindo que se enxergue além.

Mas o campo ensina o que se percebe

quando se anda longe da própria

Querência:

um rodeio de amigos é tropa morruda

que tranqueia junto na nossa vivência,

pois se o fim da estrada tem destino certo,

amenizam a jornada os que, por perto,

vão taureando a sorte com a mesma essência.

 

De relance...

Muitas vezes bombiei aquilo que era

realmente importante,

 em detrimento de um porvir melhor

que sonhei pra mim.

Esbarrei meu flete... no momento exato

em que viria uma rodada certa...

dessas em que o ginete não alça a perna

e é o próprio pingo o que lhe aperta.

 

Por que o viço do que “mais parece"

não se espelha na aguada pura,

do jeito humilde do pampeano ser.

E fui ao tranco... faiquejando o cerne

rumo ao palanque altivo que pretendo ser.

 

De soslaio... a inveja quis bolear meu ímpeto

com um falso lume para o meu querer.

Mas o campeiro é sábio... ao aprender na lida,

que mais calma é a água do poço mais fundo;

esse “olho de boi” onde ao cair, a vida se resume

a tudo o que for possível pra dali sair,

e “patear” não adianta... e muito é pouco,

por que é preciso que alguém lace ...e te queira puxar.

 

De soslaio... nada.

... O fio da meada.

Me laçou... um olhar que ensinou a ver

o quanto procuramos a lo largo

o que à volta nós podemos ter.

 

Sim...

Fitei de relance as barras do dia

que sorriu pra mim.

E vi... seu matiz de colorear o mundo,

E senti... seu olhar a adentrar em mim

...me conhecendo melhor do que eu.

Na sua leitura ímpar do que não escrevi,

leu meu bem querer e o temor de errar...

pra fazer parelha... e me enraizar!

 

De soslaio, também eu vi!...

Essa trampa armada

que o senso comum arma pra o vivente.

Mas já não é assim.

Perdão ao irmão que olhei sem ver;

a poeira da estrada por vezes judia,

quando o pataleio é muito e a jornada é bruta.

 

De soslaio me viram...

qual a um andarilho... sem porto e porquês;

sem muita importância... a quem ama o “ter”;

talvez um changueiro... simples nas vestes,

disposto ao trabalho e de baixo custo,

embora muito o valor que possa conter.

 

De soslaio... olhei sem enxergar

O tanto que o pago podia me dar:

um abrigo, família... e toda a fortuna chamada de Lar.

 

Amancei o tranco e parei rodeio na volta das casas.

Hoje... as ânsias que tenho são ser bom e justo,

pra semear farturas de coisas boas e ensinamentos,

honrar os pais, a cada momento,

e... cercado de amigos, poucos e valorosos,

deixar minha semente.

Orgulhar a família, de sangue e raiz,

pra que a Memória, mesmo em tempos vis,

apeie no pampa pra me olhar... de frente!