CAUDILHOS
Rodrigo Canani Medeiros
Roncava o primeiro mate
na Fazenda
do Retiro,
o Coronel
Juca Trindade
razonava c'oa boieira
no ocaso da
sexta-feira.
O moirão federalista,
dos fundos
do Cambará
vinha de alma
serena...
A neta, recém
chegada,
amainava a aspereza
de um
coração maragato.
A esta altura seu filho,
um tal
Maneco Trindade,
já devia
estar de volta,
pois fora até
o armazém
buscar avios pra menina:
Um bico, uma mamadeira,
funchicórea, um elixir,
e uma ponta
de fazenda
pra se fazer
um vestido
de presente
pra parteira.
Saíra cedo o Maneco,
logo depois
do Camargo,
já cruzara
o Rio das Antas
no Passo do
Despraiado
e
atravessara num trote
a sesmaria
de campo
do Major
Inácio Velho.
Nas rédeas, um pingo mirrado,
lenço vermelho
esvoaçante
por cima do
bichará
e um
"schimitt" 38
calçado à mão de montar.
Moço disposto pra lida,
não lhe
agradavam refregas,
trazia apenas na mente
um
semblante de mulher,
que se fez
mãe neste inverno,
e olfateava na distância
o cheiro
doce da filha,
num sorriso
enternecido.
O bolicho dos Ausentes
murmurava em seus ressábios,
um ar
pesado
exalava resquícios de 23...
Um taura
de Bom Jesus,
alcaide de comissário,
picava um fumo com jeito,
escorado no baldrame,
a palha
por sobre a orelha
e uma solingen na mão.
E ao ver o lenço encarnado
exclamou meio em deboche:
- Cuidado com maragato,
que isso é ladrão de cavalo!
Maneco não pôs tenência,
cuidou de encher os pessuelos,
pediu um trago de canha,
aboletou-se num canto,
sentado sobre as canastras,
e atento, por precaução,
engatilhou o "schimitt”
por baixo do bichará.
E
o taura seguiu gritando:
- Libertador, Maragato,
tudo ladrão de cavalo!
Indiferença
é veneno
pro orgulho do chimango,
que assim se veio pra cima!
Olhos
em brasa de fúria,
faca luzindo na mão.
E
o moço lá do Retiro
disparou uma só vez.
A
palha pairou no ar...
No
pala, um furo de bala,
na
frente, um homem se cala,
no
chão, o sangue resvala,
numa trindade fatal!
- Meu
pai eu matei um homem!
Disse
o moço, já de noite.
E
o velho Juca Trindade
emendou de sopetão:
-Pois
então não desencilhe,
siga em frente, sem cessar
prá cima do Morro Agudo,
não acenda nem palheiro,
que as brasas não são parceiras
de
quem se esgueira da lei.
Depois
ficou acoitado,
no
fundo de um mato grande
pros lados da Jaquirana,
até que o Coronel Juca
fez valer sua patente
e
encaminhou o seu filho
prás bandas de Uruguaiana,
até a Estância São Pedro,
onde Batista Luzardo
o
recebeu, cavalheiro.
Não
questionou as razões,
não apontou condição,
lhe bastava a procedência,
a
estampa e o olhar altivo.
Pra
não despertar suspeita,
dois anos depois chegavam
uma serrana saudosa,
de
olhos bem marejados,
e
uma menina assustada
com o barulho do trem,
deixando a Estação Beleza
ainda mais fascinante.
E
então aquerenciou-se,
se
fez homem de confiança
de
Luzardo e Adelaide,
e
até de um certo Getúlio
que andou mateando por lá...
Sentia
falta do pai,
da
vista dos itaimbés,
do
pinhão, da guabiroba,
das festas e carneiradas
na
Capela dos Ausentes,
mas na fronteira do pampa
lhe encantavam os cavalos crioulos,
de
fundamento, o cinema, o castelinho
e
os bichos de toda parte,
lhe agradava a peonada
com sotaque castellano,
o
truco, o chamamé.
Com
este último caudilho
foi aprendendo aos pouquitos
que o tempo cura as feridas,
que o tempo é o Juiz mais justo,
que o tempo é deus da razão,
e
os sábios que fazem leis
respeitam sua verdade.
Vinte
anos se passaram
e
a causa de ser proscrito,
agora é crime prescrito.
Era
20 de setembro,
nas ruas do Cambará
já
se iniciava o desfile,
quando Maneco Trindade
atropelou os ponteiros!
Nas
rédeas, um crioulaço,
bragado, de frente aberta,
nunca visto nestas plagas,
sobre as têmporas grisalhas
um
maidana de patrão.
No
pala, um furo de bala,
Na
fronte, a saudade exala,
No
lenço, o orgulho que fala,
uma trindade que embala
o
olhar altivo de quem
não deve nada, pra lei!