A NEGRA POESIA

Caine Teixeira Garcia

Ela sonhava em ser poesia...

E nunca soube ser mansidão!

Te aquieta! - a realidade dizia –

Pois ninguém vive de ilusão!

No sonho, uma quase utopia

- que habitava seu coração –

Singrava as noites e os dias

Na abarbarada geografia

Do sul do sul desse rincão...

 

Com o capitão do mato em vigia,

Era tronco, cozinha e fogão...

Rimava tempo e esperas vazias

Com a dor da própria criação!

Mas, a cada amanhecer, renascia,

Por ter no cerne, a vocação:

De ser - por seus versos - magia

Brilhando pelas sesmarias,

Qual um luzeiro na escuridão!

 

Lavava roupa...também cerzia...

Cuidava da “boia”... e da plantação!

Sussurrando os versos que paria

- que eram como estrelas-guias –

Plantou pela querência bravia

As suas sementes de inspiração!

 

Ela sonhava em ser poesia...

I o mundo maula dizia NÃO!

Mas, ao manter-se em rebeldia

Iivre, voava - de pés no chão –

E quanto mais o castigo lhe doía

Aí, tanto mais ela tinha noção:

Aquela estância era uma apologia

Ao total desamor que lhe cabia

Jamais haveria dó... nem compaixão!

 

Na tez dessa pampa em covardia.

 

De crueldade... e de judiação

Quando a morte dura, lhe sorria

De grilhões e chibata nas mãos,

No color ardente, ou no frio em porfia

De rachar o espírito e o garrão,

De tristeza, porém, não se vestia!

Sempre fora primavera - e sabia

Florescer seus versos em oração!

 

Sem estudo... e sem caligrafia

E para a poesia, sem permissão!

Mas, depois que a lida a esquecia

Por entre os poemas, adormecia

E todo o universo se enternecia

Com o velho tempo a pedir perdão!

 

Ela sonhava em ser poesia...

Mas, sem batismo ou comunhão,

Sem pai e mãe lambendo a cria,

Foi dos caprichos do patrão!

E ainda criança - tão novinha –

Sentiu no ventre a escravidão!

Dura verdade, que se escondia

Nas omissões da sua “patroinha

Por entre a senzala e o casarão...

 

Pois de seu, nada ela possuía

E nunca tivera alfabetização...

Por isso, ninguém compreendia

Como ela voava - de pés no chão!

Até nas tarefas do dia a dia

No vai e vem de socar pilão,

Enquanto o cansaço a consumia

A mente liberta dessa Maria

Poetizava em outra dimensão!

 

A vida é uma curta travessia...

Da eternidade, é só um clarão!

Então, o amanhã se fez nostalgia

O tempo passou - e quem diria?

Que as tantas penas que sentia

Seriam as chaves da sua prisão!

 

Sim... ela sonhava em ser poesia...

Num desafio à imperfeição!

Então, já com o corpo em agonia

- findando um ciclo de expiação –

Sua alma viajou para além da utopia

Enterrando matéria e provação!

Foi buscar morada e companhia

Num recanto de luz e calmaria

Onde todos são tratados como irmãos!

 

O certo, é que desde esse dia

Ninguém mais viu a pobre Maria

Aquela bela e negra poesia

Abençoada na dor que sofria

E que voava de pés no chão...

 

Sumiu, ganhou a sua alforria!

E há quem diga - e dê garantia –

Que ainda escuta a voz de Maria

A inspirar com sua doce poesia

O sul do sul desse rincão...