A JANELA DO NADA
Carlos Omar Vilela
Gomes e Bianca Bergmam
A janela do nada não mostrava nada,
Numa falta de tristeza e alegria sem igual.
Debruçado sobre o tempo, transparência emoldurada...
De um nada sobre o outro, fui erguendo o meu quintal.
A janela não mostrava a grama verde...
A janela não mostrava a cerração.
A janela me escondia os
horizontes,
Confundindo os meus instintos de amplidão.
A janela era o fim do mundo inteiro.
Ponto final, não havia nada além.
A janela era o reflexo da vida,
Questionando os ideais de quem não tem.
A janela do nada me espiava
dia e noite
Da parede de uma cela imaginária.
Eu não sabia que esses nadas
são tão fortes!
Eu não sabia de onde vinha a minha estrada,
Mas seguia sempre em frente, sempre ao norte.
Só que a rosa, sem ter ventos, só tem nada.
Ajanela
do nada era estranho paradoxo,
Que gravado na parede me fazia
refletir;
No quadro não tinha vidro, fechadura, nem esquadro...
Assim, não havia nada, só para o nada existir!
Mas um dia tão cansado da palidez da janela,
Resolvi fugir
da cela, que ali me aprisionava;
Quando senti a coragem fervilhando pelas veias,
Pulei então da janela onde o nada me esperava.
Caí...
Caí de muitas alturas, muitos tombos diferentes.
Quebrei a cara
e os dentes,
Sangrei na alma e nas mãos;
Até que, ainda sangrando, eu pisei na grama verde,
Notando um fio de horizonte nas brumas da cerração.
Aos poucos, bem aos poucos, lentamente,
Meus olhos foram se abrindo...
Me vi
de alma rasgada, mas una e indivisível!
Até ,que
então, distraído, buscando flores de maio,
Eu tropecei no balaio de um indiozinho invisível.
O menino transparente num repente ganhou formas...
Modelado pela vida, bermudas e pés no chão.
Ao seu lado outra criança e outra,
outra mais outra...
Estranha tribo pintada no centro do calçadão!
E eu, que só via o nada, retornei a ter visão!
Um me pedia um trocado,
outro comia bolacha...
E eu olhando assustado, além do mundo
do nada.
Na palidez colorida, nas formas bem encontradas
De ver crianças e vidas a enfrentar
suas desgraças!
Mirei os olhos miúdos da pequeninha,
que ria...
Seu semblante reluzia um sorriso desdentado;
O que terá de pecado esse serzinho
inocente?
O que falta em seu legado pra ser
tratada por gente?
Tinha um piá, já taludo, que me chamava de tio,
Pedia um pila, um sorvete, do seu jeito
amedrontado;
Um outro mirou meus olhos com seus
olhares vazios,
Vendendo a alma, a história e um cesto
em dores trançado!
Então olhei pra janela e a janela
quebrou...
A parede desabou, o marco se derreteu;
O nada virou em nada quando meu sangue
pulsou
E revelou realidades muito maiores que
eu!
Mirei a dor da injustiça, as máculas da
violência,
Quando razão e ciência renegam o amor
de Deus;
Mirei pessoas tão boas, mas sem paixão
e paciência,
Pela janela do nada, deixando nada pra
os seusl
Mirei as causas da fome, mirei as bocas
famintas,
As dores e os labirintos de um mundo em
devastação;
Pois a janela do nada quebrou-se pelo caminho,
Quando um pequeno indiozinho surgiu no
meu tropeção!
Então larguei a janela que me ocultava a verdade,
E abracei com vontade um mundo sem
tranca ou portas;
Achei naquele indiozinho minha noção de
igualdade,
Pois a janela do nada negava aquilo que
importa!
Assim refiz meu destino, queimei as
cartas marcadas,
Redesenhei alvoradas nos olhos de cada irmão;
Já não importam distâncias, nem misérias, num pegadas...
Pois a janela
do nada é nada pra o coração!