VOVÓ MIMOSA, PARTEIRA

Ludwig Larré

 


Madrugada, 29.

Agosto de chuva e frio.

Pedro cruzava a picada

no seu baio bom de rédea.

Ah, meu Deus, o passo cheio.

Vamo, cavalo, sem susto,

voa por riba do rio.

 

Tá frio, meu poncho me cobre,

defende a chuva e o vento.

Mas não segura no peito

o coração que galopa,

nem seca o rosto molhado.

(Será água só da chuva?

Deve ser, que home não chora,

nem quando morre de medo

de perder mulher e filho.)

 

Maria ficou no rancho.

Gemia tanto a maria.

"Vai, Pedro, volta ligeiro,

traz a comadre Mimosa,

tá chegando outro menino.

Este, Deus não vai levar!"

 

Vamo ligeiro, meu baio!

Vence o breu desta picada,

parte esta chuva no meio,

teu galope nào tem frio.

É ali, já tá pertinho,

quando se acaba a picada,

logo de trás da coxilha.

 

Ô de casa, meu compadre!

Desculpe a hora sombria.

Chame depressa a comadre!

Que pegue logo a tesoura

e o demais de percisão.

 

Vamo indo sem demora.

Maria ficou gemendo.

De dor, de ânsia, de medo.

Ai, comadre, esse vem vivo?

Será que chegamo a tempo?

 

"Já cheguemo, fique calmo!

Perciso d'água fervendo

e os pano branco do aparo."

 

Pedro conteve seu medo,

rezou a reza do aflito.

Até que o choro explodiu."

Vem ver, compadre: é menina,

teu guri vem doutra vez."

Era menina. Mirrada,

meio feinha, a coitada,

mas tava viva, perfeita,

gracias, gracias, meu bom Deus!

 

Maria, ria esgotada,

ria e chorava sem dor.

Tava de alma lavada.

 

Era, enfim, um seu rebento,

que ela havia de criar.

Agradecia à comadre,

à sua mão abençoada,

que sempre, chamada, vinha,

competente, despreendida,

mesmo com chuva e com frio.

 

Depois dessa menininha,

vieram chegando os outros.

Primeiro, outra guria,

depois, enfim, o guri.

 

E sempre Vovó Mimosa

(que ficou vovó de todos)

vinha aparar cada um.

 

Com a sua velha tesoura,

quando Pedro ia buscá-la,

cruzava a picada escura

no seu zaino, a trote largo.

E atendia maria,

certeira, o cordão cortava.

E sorria, e abençoava,

com seu primeiro acalanto,

cada vidinha brotada.

 

As vidinhas já cresceram.

Cresceram, ficaram velhas.

Vó Mimosa já partiu.

Também Pedro foi embora.

Maria à pouco o seguiu.

 

E olhando os longes do tempo,

a léguas lá da picada,

no céu da minha saudade,

onde cintila pai pedro,

e agora também Maria,

passa, às vezes, numa nuvem,

montada no velho zaino,

a imagem doce encantada,

daquela Vovó Mimosa,

que puxou tanta criança

para este mundo de Deus.