VIDA DE CASERNA

Algacyr Costa

 

      Foi lá por sessenta e três

      Lembrarei pra sempre irmão,

      Eu "bem louco pra servir"

      Ser pracinha da nação

      Aí seria mais homem

      No pensamento de então.

 

      Lá no "primeiro do vinte"

      Cheguei de manhã bem cedo

      Era em casa Passo Fundo

      Hoje conto sem segredo

      Fui chegando pro portão

      Num alvoroço sem medo

      Lá dentro se era escolhido

      Quase que a ponta de dedo

 

      Lindo toque da alvorada

      O clarim me despertava

      Depois de arrumar a camita

      Para o rancho nós rumava.

      Entrava em forma e na fila

      Porque a ordem decretava

      Cada um com seu copito

      O desjejum preparava.

 

      Nós chegamos de "a paisano"

      Fica uns dias desse jeito

      "Levamo" a primeira "tosa"

      Todo mundo satisfeito

      Fiquei com a "pinha" alumiando

      Num cadete bem mal feito

      Pois cabeça de milico

      No quartel não impõe respeito.

 

      Foi como um grande rodeio

      Veio logo a apartação

      Fui o "cento e trinta e três"

      Do terceiro pelotão

      E vieram me perguntando

      Qual ofício ou profissão,

      Burocrata ou diplomado

      Ia logo pra seção.

 

      Logo "aprendemo" a entrar em forma

      Para a primeira instrução

      De sentido e descansar

      A segurar o mosquetão

      A marchar enfileirado

      Pelo pátio do esquadrão

      Aquilo mais alinhado

      Do que teta de leitão

 

      Bem logo veio a faxina

      Que nos mandou o capitão

      Pra tirar grama das pedras

      Com ferros de rasquiação

      Uns "pintava" outros "lavava"

      E todos tinham função

      Na hora que tocou o rancho

      Alegrou meu coração.

 

      Vai uns "mês" pra "passar a pronto"

      Sempre à baixo de instrução:

      Desmonta metralhadora

      Mexe em sabre e mosquetão

      Tira serviço na guarda

      -Cavalariça ou plantão

      Nunca se dorme na hora

      Nem fica sem munição

 

      O índio que vem de fora

      No quartel sempre se acerta

      Sabe andar bem de a cavalo

      De madrugada desperta

      Tira serviço pros outros

      Quando nos cobres se aperta

      E se vai pra algum bochincho

      Ninguém faz a descoberta

 

      Já o rapaz da cidade

      Dizem de papai é filho

      É macio no caminhar

      No olhar tem outro brilho

      Sofre muito na instrução

      Na marcha até perde o trilho

      Anda pulando na cela

      Pede socorro o lombilho

 

      Boa vida tem compadre

      No quartel o cassineiro

      Não come o resto que sobra

      Porque já comeu primeiro

      Fica boleado de gordo

      Que nem cusco de açougueiro

      E coitado do milico

      Que encrencar com o rancheiro

 

      Tem cristão que acha bom

      Lá é tudo padronizado

      Desde o soldo até o arreio

      Toda a roupa do soldado

      Não tem rico não tem pobre

      Fica tudo misturado

      E o que é guapo vive bem

      Encontra-se respeitado

 

      Pra ser bom de ser soldado

      É nunca se envaretar

      Ser malandro e debochado

      É melhor do que embrabar

      "Levar tudo na esportiva"

      É o jeito de driblar

      Pois perde quem sai ganhando

      Na hora que a parte entrar

 

      É bom saber que lá dentro

      O tratamento é sortido

      Tem os bons, os mais ou menos

      Os brabos, os provalecidos

      Que se aproveitam do cargo

      Para ser obedecido

      Se o quera for retovado

      Fica preso ou é detido.

 

      Recordo o meu comandante

      Dos sermões que ele pregava

      Conselhos que não esqueço

      Que todo mundo escutava

      Falava as "vez" uma hora

      E a gente só respirava

      E qum não tinha preparo

      No solaço desmaiava.

 

      No esporte fui campeão

      Pela seção de comando

      Com o Osvaldo e o Dalpiva

      O julio no meio armando

      O pelé jogava sério

      E o padeiro "mutreteando"

      E eu petiço de arqueiro

      A goleira ia fechando

 

      Ganha bem pouco o milico

      O soldo sai descontado

      Paga o pito a roupa a folga

      Vai pra algum baile enfeitado

      Se encostar nalgum carinho

      De a muito necessitado

      Quando vem no outro dia

      Os "pila" encurtou um bocado

 

      Todo dia tem revista

      E de tarde boletim

      Todo mundo interessado

      Escuta tim por tim tim

      Pra ver se cai de serviço

      Se escapar que bom pra mim

      Quarta parte dá cadeia

      Expulsão ou coisa assim

 

      Foi em abril a prontidão

      De uma "canha" precisava

      E prenderam no portão

      O goularte que levava

      Três dias dobrei serviço

      No alojamento cantava

      Lembrando da namorada

      Que lá fora me esperava

 

      Fui soldado caprichoso

      A mãe a farda engomava

      Meus coturnos engraxados

      A calça verde frisada

      No bater uma continência

      Até o boné se orgulhava

      De ver um praça garboso

      Que civismo transbordava!

 

      Mas chegou o dito dia

      Do tal de "pronto passar"

      Todo o esquadrão em forma

      Em frente dele marchar

      No juramento sagrado

      Uma vida pra lembrar

      Ela hasteada soberana

      Minha bandeira jurar

 

      Ontem, hoje, juro sempre

      Quando te ver tremular

      Ou ao escutar nosso hino

      A emoção me encilhar

      Uma lágrima crioula

      Em minha face rolar

      É o patriotismo farrapo

      Que está no sangue a pulsar.

 

      Ponho minha mão no peito

      Em cima do coração

      Vejo no verde pampeano

      Os campos do meu rincão

      No amarelo, vejo ouro

      No azul o céu deste chão

      No branco paz e progresso

      Simbolismo da nação.