Ausência

Tatiane da Rosa Crestani

 

Era noite na estância

E o aroma do sereno

Numa prece em poesia,

No meu rancho pequeno

Trouxe abraços no vento,

Na noite de inverno

 

Gelado, o vento bate à porta,

Assovia uma canção

E meu coração sentido

Me conta histórias de redenção

De uma criança travessa

Que hoje busca a salvação.

 

Com chuva, trovões e ventania

Os olhos retintos do morador

São como duas noites fugidas

Num clarão em esplendor

Que lembra a vó faceira

Netito no colo, puro amor.

 

Simples era a vida no rancho

Manuelito andava descalço,

Minhas retinas não esquecem

Da vó Chica em seu encalço,

Cena linda na memória

Que hoje fere feito aço.

 

Gostava de vê-los juntos

Por toda parte na querência,

Meu coração, não forjei

Para sentir toda a essência,

Hoje adoço a amargura

E vivo apenas da ausência.

 

Lembro bem da sanga mansa,

Da vó levando a cesta

Para lavar os males da vida

E o suor sobre a testa,

O guri que não largava

A vida era pura festa.

 

Num frio velho desgranido

Meu sangue ferve igual a brasa

De tristeza em vislumbrar

Uma memória que arrasa

Dum infortúnio que assola

Todo canto desta casa.

 

A escuridão chegou cedo

Deixou a estância vazia,

Se foi tudo de bueno

Virou uma noite fria

O netito caiu no arroio

Levou com ele a alegria

 

Minha vó se perdeu com ele

Viveu só na escuridão

Tornou-se estrela sem vida

Procurando absolvição

Com a lança no pescoço

Virou, então assombração

 

Hoje vivo de saudade,

Meu irmão se foi embora

E eu, nada fiz para salvá-lo.

Esta dor fere como espora

A lo largo vivo em pranto

Com esta dor que só piora.

 

A vida se passa assim:

igual ao vento...

evapora-se, vai embora.

pior é viver por fora

e seguir morta por dentro!