SONHOS DE UM GURI CAMPEIRO

      Leandro Araújo

 

      Muito mais que somente um guri,

      É um pequeno homem das lidas campeiras.

      De calça curta e pés no chão,

      Na cabeça, um chapéu velho de aba quebrada

      -Herança do seu avô-

      E na cintura, uma cherenga

      Presa num tento de couro cru.

 

      Na escola do galpão

      Aprendeu a amar o pago.

      Ouvindo os versos de algum xirú

      Ou um bordonear de guitarra,

      Nem pensa em deixar a estância

      Por povoeiras ilusões.

 

      Os sonhos de um guri campeiro

      São estrelas que se fundem

      Num céu de imagens rurais

      Onde a pata de cavalo e a ponta de lança

      São luzeiros que iluminam as fantasias

      E guiam os passos de um piá.

 

      Quando um velho conta um causo

      Se deixa cabrestear

      Pelas histórias de guerra,

      E nas rodas de galpão

      Sonha que é herói

      De lenço colorado no pescoço,

      Montando o flete mais lindo

      E com a espada firme na mão.

 

      E o guri vira soldado

      Nas arrancadas de "Noventa e Três",

      É Adão Latorre nas degolas

      Frente a Maneco Pedroso

      Para a bênção sangrenta

      No fio da adaga colorada.

      Mas, sem entender o porquê das guerras,

      Passa de Honório a Flôres

      -Foi chimango e maragato

      Nos causos de "Vinte e Três"

      Pois pra ele a cor do lenço não justifica

      Lutar irmão contra irmão.

 

      Não sonha com naves loucas

      Ou com seres de outro mundo,

      Viaja no lombo dos pingos

      Nas cargas de lança

      E nos tiros de laço.

      Era soldado e peão

      Nos tempos que o fio de barba

      Era o documento mais honrado.

 

      Mas...

      Antes mesmo

      Do sol brotar por entre os serros

      As infantis fantasias

      Viram terrunhas realidades:

      Buscar as vacas de leite,

      Trazer água da cacimba,

      Campear uma rês perdida,

      Cumprir a faina exigida

      Porque na lida de campo

      Trabalho não tem idade.

 

      Aproveita, guri!

      Ainda és novo!

      O teu inseguro porvir

      Tirará estrelas do céu,

      E os teus mágicos devaneios

      Darão lugar a tristes realidades.

      O soldado peão de teus encantos

      Se apagará da memória

      E as guerras fantasia

      Serão lutas de sustento

      Contra máquinas letais.

 

      Na construção de um novo mundo

      Não haverá lugar para sonhos.

      O teu trabalho de campeiro

      Vai sumir nas construções.

      Sonha, sonha enquanto há tempo,

      Pois os sonhos acalentarão

      Teu futuro de incertezas.