Senhor das Pitangueiras

Fernanda Irala Gomes

 

O agosto já andava largo

e as noites se encostavam

em horizontes tão vagos...

 

Os bichos se amoitavam

a passara dormia...

A casa acendia os olhos

num crepitar nas janelas

enquanto a lareira gemia.

 

O vento, em silvos cortantes,

castigava o arvoredo...

 

Um galho verde batia

nas frestas duma janela

como se também quisesse

se esconder da ventania.

Meus pensamentos dançavam

ao fogo, que me aquecia

e um gato inquieto costeava

as sombras que eu não via.

 

Num repente me inundou a face

a emoção de um tempo distante...

As sombras já se mostravam

em forma de bem querer.

 

Já não estava mais só,

não erro só o fogo a me fazer companhia

e, sem querer entender o momento,

simplesmente sorri...

 

Seus olhos iluminavam

muito mais que as labaredas...

O seu semblante de sonho

chegou no mesmo silêncio

que se aninhou no meu peito

desde o dia em que partiu.

 

Então lhe servi um mate

e as palavras jorraram

de minha boca silente,

feito água de nascente

que enfim encontra o seu rio:

 

- Que falta faz esta seiva

que me aquece o coração

quando mateio contigo...

Que falta faz o teu rosto,

o afago da tua mão...

a tua presença de amigo.”

 

– O rancho cala comigo

quando as lembranças me invadem...

Por isso choro baixinho,

por isso sinto saudades.

Saudades talvez latentes

quando a vida segue em frente,

frente à peleia maleva

que consome o coração!

 

Ah! Que saudade bonita

das tardes no alto das pitangueiras,

o pior problema era a mãe

chamando na hora do banho,

que a mesa já estava posta

e a janta já quase pronta!

 

“Ah! Que doces eram meus reinos...

Senhor da Pitangueiras!

 

“Eu me lembro dos festejos

dos dias de marcação

o bicharedo assustado

ponteado pra mangueira!

E nós, mais apavorados,

nos galhos de um angico

no costado da porteira.”

“Tomara que o bicho não fuja,

ou que fuja

e se faça o entreveiro!!

 

“Ah! Que saudade bonita

desses medos infantis!

Como é belo ser criança,

como é simples ser feliz!

 

“Em todos esses momentos

me amadrinhaste, seguro...

Estavas sempre presente,

personagem principal

de uma história encantada

que nunca teria final.”

 

“Mas foste, pois todos vão,

e o tempo também seguiu...”

 

“Hoje o velho angico

e as pitangueiras da infância

não me sustentam mais...”

 

“Sinto que todos meus medos

não ficaram enterrados

naquele tempo perdido!

Mas sinto que tuas verdades

são os cerne mais sagrado

que sustenta minha coragem

pelas peleias da vida!

 

Então tornei a calar,

quando uma gota de alma

luziu à porta do olhar.

 

Ele me passou o mate

e simplesmente sorriu

o seu sorriso de sol

naquela noite de frio.

 

E assim foi a madrugada

até que, sem dizer nada,

ainda sorrindo, partiu.

 

Na lareira um tição solito,

ao lado um mate lavado

e uma cambona vazia...

 

O gato por companheiro,

e a alma, que era luzeiro

naquela noite tão fria!!

 

E hoje, quando agosto anuncia

que a noite traz o frio do horizonte,

faço crepitar a lareira

pra aquecer a casa velha

e contar histórias compassadas

dessas que ele me contava...

 

Talvez nem tenha tempo

pra ouvir o inverno

pois dois olhos pequeninos

e dois ouvidos atentos

me esperam, junto a um sorriso,

debaixo do cobertor...

Aos pés o gato se aninha

feito um guardião companheiro

costeando as sombras que eu não via!