ROMARIA DAS MADRES DO CAMPO

 Andréia Sá Brito

A vida me bate
e ofereço a outra face.
Das dores que só eu conheço,
não as nego, nem as mereço.
A vida me fez qual madeira:
da tábua da roupa,
da tábua da carne,
da tábua do catre...

 

A vida me fez de pronto madura,
dura, revelou-se por matreira.
Tentei erguê-la no freio,
firmá-la no laço!
Mas fui entendendo a cada golpe,
correndo e queimando feio,
que, se a força me falta no braço,
preciso buscá-la na essência.
Deixo que cruze o rastro
e busco a volta,
pra derrubar na ciência.

 

Estranho resultado das contas
que algum Deus fez.
Somente uma, para com mais um
somarem três ao final.
Que de vereda entende o que é assumir,
muito além de si e do singular,
A primeira (e difícil) pessoa do plural!

 

Terra a despertar a semente,
sangue e seiva essencial
num ritual a Ceres.
Criam, colhem, curam as mulheres,
natureza debaixo da pele
donde habitam os mistérios
da natureza das gentes.

 

E naturalmente atiça
por beleza e fragilidade.
Para um mentor de cobiça
deturpar a pureza,
a destituir de protagonista,
vestir de aparência a verdade.
E enquanto o diverso agoniza,
servil ao desmando do homem,
ele só sabe matar a fome
da sua própria vaidade.

 

Por seu destino sedento,
questiona torroeira
e oreada;
Destruído seu eito,
a resposta já ronda:
tormenta e enxurrada!

 

Quem sabe dos ciclos não fica tonta.
Acende as brasas, ora encarnadas,
pr’as chamas amarelecendo.
Chama o sol, de mate pronto
amanhecendo outro dia.
O riso mostrando as canjicas!
Nas crianças despertas,
deixando as bonecas;
Na planta embonecando,
parelha;
Nas flores abertas
esperando as abelhas.
Mel, galleta, leite morno.
Alguma novidade do forno
antes da debandada ao campo.

 

A cada manhã ensolarada
Resolvo aqui os casos de espera:
Penitencio os brancos
a quarar na reza, olhando para o céu.
Os limpos de pecados,
os que esturricaram na crença
de evaporar as diferenças,
já coloreiam a cerca inteira.
Dançam ao léu, mudas faceiras.
Decerto sentindo o cheiro do charque
que invade a nova hora do mate.
Na comunhão que anuncia
o pão nosso de cada dia.


As cores mudaram para a cozinha
Os convidados vinham da horta:
Folha, fruto e raiz de roupa nova
pra festa da mesa posta.
...A faca, a que horas bailava c’o garfo
quando a colher fez proposta
ao mogango, de molho.
Desmanchou-se o bobo,
caramelado que era...
E tudo se foi mermando
rumo ao descanso da sesta.

 

Mas, quanta louça ainda resta!
Antes de descansar meus calos,
que andam curtidos dos cabos...
Enxadas, facas, palavras bem afiadas,
e palmadas retrucadas,
que insistem na educação.

 

E mais uma vez, e sempre foi de graça,
sem fazer mais do que a obrigação.
Sem sequer: _Muito obrigado!
Trabalhar é conceito complexo:
Não se define pelo esforço!
Seria então pelo sexo?
“Trabalho” é coisa de macho,
A gente só faz um “costado”.

 

Hei de campear serviço aos braços
Já que não servem pras domas,
nem pacholeam em pealos.
Não são fortes o suficiente!
A não ser pra embalar filhos,
dispor a vossos pés meu brilho;
Desdobrar-me pra que não falte,
fazer sobrar pra vender;
Punhos para ferro a brasa e agulhas;
Dos panos de antigamente,
tecer remendos e novas vestes
pra serem suas, sujas
e rotas novamente!

 

Deve ser este o defeito:
Fazer só pra ser desfeito!
Do doente, são pela fé!
Abrir leitos com as mãos,
Pra cobrir sementes com os pés.
Cobrir os meus, quando chega o frio.
Encher seus pratos, pra vê-los vazios.
De moça, perder a ousadia
e amar na noite que esconde
as imperfeições do dia.

 

Quantas já foram viver à margem?
Sem tempo de lamber a cria,
nas changas da ignorância.
Quantas infâncias, pelas calçadas,
saem na busca de escola e futuro bom,
depois, de esmola pra garantir o pão?
Sem o companheiro, que segue lá fora
com o verde todo por cuidar só,
sem mais cores que povoem seus dias.
Mal sustentando a judiaria,
deixa as lembranças debaixo do pó.

 

A cada lar que se esvazia
o coro aumenta em oração.
Aumenta a indignação
em cada peregrina que contraria
o sentido do pranto e do coração.
Quisera abolir a dominação,
ficar no campo por opção e direito.
_Irmãos, nossa espera é por vós,
seres humanos, imperfeitos como nós!
Não sonhamos com louvores de enfeite,
apenas que nos respeitem, SENHORES!