RELATO DE CAMPO E MAR

Nenito Sarturi

O temporal foi se armando
Lá pras bandas do poente,
Arregimentando os ventos
E entropilhando as nuvens
Que até então, emolduravam
O céu, pendendo a escarlate.

 

O pescador e seu filho
- Um gurizote franzino
Mas de olhar penetrante,
Esperto e já “veterano”
No ofício que deu-lhe o pai
Foram recolhendo as tralhas
Pra dentro do barco tosco
(Sua lida e ganha-pão).

 

- Vê se te apressa, Juvêncio,
Não vê que vem se formando
Um pé-de-vento violento
Que, se nos pega de jeito,
Nos arrasta mar adentro ?

 

- Vamos, guri, não te achica
Que hoje as águas já nos deram
O que tinham que nos dar !
Tua mãe já ta preocupada
E, garanto, atarantada,
Por certo está a rezar.“

 

O gurizito, obediente,
Foi se aprumando, contente,
Içando as velas surradas,
Deitando os remos nas ondas
Que cresciam, num repente.
Na proa o velho Laureano,
Com a fibra de campechano,
Dava de mão em suas redes
Com alguns peixes minguados
Que “inda” lograram pescar.

 

Enquanto o barco guapeava
Peleando, entre as fortes vagas,
O piazito imaginava
Como seriam as plagas
Que ouvira o pai comentar.

 

Como seriam os campos,
Planícies e pradarias
De onde, um dia, como tantos
Cercados de desencantos
Seus pais ousaram partir ? . . .

 

No casebre litorâneo
Crescera, em meio à labuta,
Sob o signo da luta,
Curtido de areia e sóis.

 

Sentindo a brisa, por gosto,
Fora “templando” seu rosto
Nas maresias de agosto,
Contemplando os arrebóis !

 

E, entre magoas e alegrias,
Os pincéis da fantasia
Pintaram – com maestria –
A inquietude de seus dias
Entre espinhéis e anzóis.

 

Em meio a contos e cantos
De domas, de gineteadas,
De tropas, de carreiradas,
Peleias e outras façanhas
Fora crescendo o piazito . . .
A questionar-se, solito
Como seria esse “mundo
Além daquelas montanhas ? . . .

 

Quando no catre, contrito,
Um pensamento esquisito
Tomava forma, insistente,
E se alojava, inclemente,
Nos confins de sua mente
Para depois florescer . . .

 

Tanto foi que, certa feita,
Depois de noites e noites
De insônias e de açoites,
De refletir e sonhar,
Num esforço sobre-humano
Chamou o velho Laureano,
A velha mãe Ambrosina
E, num jeito respeitoso,
Aquele filho zeloso
Passou a confidenciar.

 

Contou-lhes o que lhe ia
No fundo do coração:
Que também tinha vontade
De sorver a liberdade,
Qual ave de arribação . . .
De buscar outras paragens,
Beber do mel das paisagens
Que ouvia o pai descrever.

 

A mãe velha ouviu, paciente,
Todo o relato sentido
E, num gesto comovido,
Beijou o filho, silente,
Enquanto o pranto latente
Rolou no rosto sofrido.

 

E o velho Laureano, taura
Que enfrentou tantas refregas
Negaceando os desenganos,
Juntou, da névoa dos anos,
A força pra não chorar.
Abraçou o rapazote
E, quando apontou-lhe o Norte,
Teve ainda a fidalguia
Daquele filho abençoar:

 

– Vai com Deus, filho querido,
Rebenta teus aramados,
Em busca dos descampados,
Das várzeas e coxilhões;
Vai em busca dos rincões,
Furnas, peraus e grotões
Dos quais eu e tua mãe
Não esquecemos jamais . . .

 

Quanto a nós . . . ficaremos
Em meio a barcos e remos
Pois o galope dos anos,
Que atropelou nossos planos
E nos branqueou as melenas,
Nos deus as águas serenas
Da paz, do amor, da verdade.

 

Mas ouve nossos apelos:
Leva em teus “magros” peçuelos
- Repletos de mocidade –
Um municio de paciência
Para abrandar a ansiedade
E entrega àquela Querência
A nossa grande SAUDADE ! . .