Os Vês do Vento

Fernando Saldanha

 

Vem vem vem Vento vem...

Vem vem vem Vento vem...

 

Vês...

...o elemento que não vejo

é o espelho dos meus olhos...

 

Rosa-dos-ventos do pensamento,

versos que se vem de todos os cantos

e se perdem... nos perdemos...

 

Saudade que vem em ventos avoengos

arrebentou a piola e levou embora

todas as minhas pandorgas...

 

Lembro da “Voz do Vento”¹ pelas frestas                                                          

de um livro amarelo de esquecimento,

remoinho de papéis avulsos

            pelos pátios da infância

revolvendo a poeira da lembrança...

 

Cantiga de roda, ciranda.

Floreio de prenda, sarandeio de saias e tranças

na contradança

com os lenços vermelhos

e os palas de seda.

 

O Vento voa...

A vida voa...

Seguindo a passos lentos

e eternamente correndo.

É um galope certeiro

com a pressa de um chasque;

e a calmaria do tropeiro

que mede o tempo em braças de sol.

 

Vento da “Rua dos cata-ventos”².                                                                     

Pássaros em flor

e borboletas batendo asas de pétala.

Vento em todas as veredas...

 

É a vida sem limites

movida apenas pelo impulso de ir adiante.

Redesenha o rosto das rochas

com a paciência dos deuses.

 

Vai espalhando

sementes que sobem do chão

e não chegam ao céu;

e sementes de chuva

que sempre estão entre o céu e o chão.

Sementes que se encontram dentro da terra

para o mistério da floração.

 

 

O Vento tem o faro da atmosfera...

Cevadura seiva.

Levedura leiva.

Dura poeira, erva velha...

 

É o ar que o mundo respira.

O ritmo das correntes marítimas...

A vida que vira, revira e não pára.

E a gente espera. A gente não pára...

 

O Vento retempera o nosso apego:

– Que bons ventos te trazem meu amigo?

 

Viver ao sabor do Vento?

Perguntem ao andarengo!...

 

Eu sei

porque também ando em círculos

e vou longe e volto ao início.

 

Evoluindo

Involuindo

Indo

 

E, do Vento, levo a palavra e o verbo.

Faço poemas que reverberam pelo universo.

 

E agora jogo ao Vento meus versos

e encho meu peito... E enxergo.

 

Nós mesmos nos vemos nos “Vês do Vento”.

 

Viajando em navios e caravelas,

apagando o pavio das velas

navegando fins e infinitos neste flete de sonho...

 

Esse Vento que nunca “dá um tempo”...

Que se faz de morto,

mas está sesteando debaixo das pedras.

 

De vez em quando vai sonambulando

e se faz de fantasma pela noite penada

“sombrassuntando” as estâncias.

 

O Vento é um potro selvagem

            rufando cascos nos descampados.

“El Viento”

de “los temblores” de legueros e galopes...

 

Sopra o presságio da seca;

passa e deixa rastros de tormenta.

Perpassa a alma da pampa.

 

Vento maleva, venta rasgada

Vento vago, pé-de-vento,

Vendaval. Turbilhão e turbulência.

Em que época teria acontecido

a grande viração

que virou o guarda-chuva das araucárias?

 

Sei que os temporais

antecedem os tempos de paz.

 

É previsto o dilúvio... Mas é um alívio...

O Vento horizontal

envida a chuva vertical

a ser diagonal.

 

Que o Vento vente eternamente!

Velho Vento verde que verte...

Rio de ar, escarcéu, respiração de Deus.

 

Vento, que ensinou o cachorro a uivar;

Vento, que ensinou ao índio o grito sapucay...

 

Vento-cancioneiro bordoneando alambrados,

ramalhando os verdes do mar da pampa...

 

Generoso Vento                                                                                             

levantando o vestido das gurias bonitas.

ou tirando som de algum violão empenado...

 

Solando em sol no sol que sai das venezianas,

zunindo nas ruas,

batendo nas portas.

                                              

e fazendo

leve a lua.

O Vento acaricia as coxilhas

e os pastos viram vírgulas.

 

O Vento se inventa, mostra a cara do dia,

se reinventa, improvisa uma brisa,

lava a alma, traz a voz dos avós...

 

...os Ventos gerais

do hemisfério sul...

...Velas do Seival,

céu do Cerro do Jarau!

 

Minuano, frio da terra do fogo,

gelo seco que vem dos Andes

e faz a gente esfregar as mãos...

 

De mate pronto!

O campeiro sempre espera o minuano

de mate pronto...

 

O Vento é o cavalo de todos os pêlos.

Pastor de nuvens em pele de cordeiro.

 

Senhor dos caminhos!

 

Também tenho o fado de dividir-me em trevos.

Vento! Estás me ouvindo?

Me aleva no enlevo de tuas asas.

 

Sou página...

Folheia-me...

 

Vamos!

 

Me faz página virada

perdida pelos outonos.

 

Vento, me aleva!

 

Me faz uma erva, uma clava

pelos vales onde dança a tua valsa...

 

Música maestro!

 

Quero um festival de vozes e flautas fluentes.

Sei, que, de um claro de céu fizeste o clarinete.

Trouxeste, não sei da onde, o fole na garupa,

o regalo pra gaita que era triste porque era muda.

 

Vento reboleando... Reboando... Renovando.

 

Na primavera

nos leva em flores novinhas em folha.

 

Vaga-lume,

vai-não-vai, vaivém, vai-volta, Vento vivalma.

 

Fluxo de flechas.

Vento que envolve e atravessa.

 

Vento para ver

e remover-se

ver-se varrido.

 

Vento que não fecha, nem fixa, nem freia...

Não se cava, não tem cova,

não trava nem crava raiz nem faca.

 

O Vento ensinou a chaleira a chiar!

 

A fumaça é a forma do Vento;

e o Vento é a forma do fogo

e o brilho em seus olhos rubros.

 

Sou o Vento Sul,

o Vento que vai pro mundo.

 

Vento para quem sabe voltar

e para quem foi “lejos” sem sair do lugar.

Vento, voagem de vida, revoada...

“Ô de casa”!

O Vento também é chegada,

mas fica lá do lado de fora.

E eu deixo a porta fechada.