OS OLHOS DO MEU AVÔ

Fernanda Irala Gomes

Nessa tarde mormacenta

Tomando quieto meu mate,

Uma imagem vem de longe...

Parece que de um cantinho

Logo depois do horizonte...

De um lugar iluminado

Onde o sonho se aninhou...

Uma imagem vem de longe:

Os olhos do meu avô!

 

É uma imagem distante

Trêmula qual sol no horizonte,

Mas de uma emoção tão presente

Que descortinou das lembranças

As histórias que ele contava.

 

Meu avô era assim:

Misto de olhos e lembranças,

Taura que o tempo guarda nos livros...

Relíquias que a saudade vem contar!

 

Os olhos do meu avô!

 

Talvez eu nem saiba ao certo,

Mas sinto que me acompanham

E sentir é o fundamento

Que me faz continuar o mate,

Lindeiro das minhas saudades...

Vertente das minhas lembranças.

 

Do passado ao futuro

Januário Araújo é assim...

 

Foi assim... Será assim!

Guri dado que não aceitou seu destino...

Contraponteou com sua faca

O fio malino da vida!

 

Se fez homem, se fez pai,

Se fez rei no seu mundo...

Se fez, dito por todos,

Um homem de bem

Acima de tudo!

 

Mas suas histórias

Foram seu maior legado,

E são elas que me vêm

Nessa tarde mormacenta...

Que o vento quase parando

Sussurra ao meu ouvido.

 

E pra endossar o que digo

Se achegam ao pé do ouvido

Gracias” dos muitos que se foram,

Homenageados com sua destreza...

Lembranças em pedra-sabão!

 

Ainda vejo em meus sonhos

A sua estampa gaúcha

Chegando num fim de tarde

Da lida bruta do campo.

Um pouco antes da janta,

Limpando o rosto suado

Em uma bacia velha

Que lavava até pecado!

 

Os olhos do meu avô

Percorreram o continente...

Viram guerras, viram dores,

Mas eram olhos de paz.

 

Não foram corrompidos

Com a perversidade de outros...

Se fez amigos dos bichos,

Talvez por encontrar nesses

A liberdade que já não via nos homens.

 

Meu avô era assim:

General de pátio e fogão!

 

Ergueu sua casa e sustentou

Sua família com as próprias mãos,

E embaixo das árvores que plantou

Tomava o seu chimarrão!

 

Agora a tarde se fina

E com os olhos marejados

Tomo meu último mate.

 

Na vida, são poucas coisas que trago,

Mas estas lembranças que tenho,

Certamente guardo pra os filhos

Que ainda terei.

 

Tentando me recompor

Desse momento pequeno, mas eterno...

Dessas lembranças que tenho

E das quais me sustento...

Vou lavar o meu rosto

Pois a janta já me espera

E na mesma bacia velha

Que o tempo não extraviou,

Ao fundo da água eu vejo...

 

... os olhos do meu avô!