NOITE ETERNA

José Henrique Azambuja

 


O velhito, frente ao campo

sem olhos para enxergar.

O tempo, no seu rodar

foi lhe sombreando a visão.

As cousas do seu rincão,

depois de oitenta janeiros,

como o apagar de um candeeiro,

ficaram na escuridão.

 

Quanta imagem na memória

ele gravou tempo a dentro.

Na lida desde pequeno

até ser moço e campeiro.

Quando encilhava, faceiro,

era um gaúcho na estampa,

distorcido, cara franca,

serviçal e companheiro.

 

Mas, o tempo dando voltas,

- no seu trabalho de campo -

envelheceu para o mundo.

Já com pouca serventia,

às vezes ela saía

montando um velho sogueiro,

recorria algum potreiro

e voltava ao fim do dia.

 

À noite, chegou mais cedo

sem dizer porque motivo,

seu olhar de peão altivo,

escureceu aos pouquitos!

Nem mais podia solito

o seu mate preparar,

porque a noite em seu olhar

foi descendo de mansito.

 

Agora, os anos gastos,

no pára-peito das casas,

sua alma abre as asas

na direção do infinito.

E sonha andar despacito

tropeando pelas estradas,

lembranças enfumaçadas

do tempo em que foi mocito.

 

Nos olhos não há mais vida

para expressar a visão.

Da luz para a escuridão

num derradeiro atropelo.

Não ficou nem o sinuelo

de alguma réstia de céu,

e no lugar do chapéu

melenas de branco pêlo.

 

As mãos, que trançavam cordas

com perfeição e destreza,

tem marcas das asperezas

da antiga sabedoria;

Pois guarda no dia-a-dia

as lembranças desse tempo,

para servir-lhe de alento

nessa noite de agonia.

 

Apagaram-se as auroras

e o mundo ficou escuro

qual uma noite sem lua.

Mas, no íntimo campeiro

que teima em sobreviver,

troca seus olhos de ver,

por olhos de imaginar

e a carência de enxergar

pelo dom de perceber.

 

Os ouvidos sempre atentos

norteiam os seus instintos.

Sabe os sons, todos distintos

e memoriza as imagens;

Os bichos, sua linguagem,

os arroios, as cachoeiras,

noites de estrelas faceiras,

as tormentas do clarear dos dias

e os verões das mormaceiras.

 

Por isso, ao final das tardes

quando o dia vai morrendo,

ele se encontra sonhando

diante da imensidão.

Embora sem a visão

lhe restaram outros sentidos,

e os caminhos pressentidos

povoam a imaginação.

 

E assim, tateando no escuro

conformado, passa os dias.

Ruminando nostalgias

numa penosa aparência.

E nesse mundo de ausência,

caminha para o final

ansiando o cocho de sal

na luz da eterna querência.