LENDA DO NEGRINHO DO PASTOREIO

 

      Simões Lopes Neto

            Sentado num tronco de corticeira, forrado de couro curtido

      Já de pontas mascadas, do tronco era abrigo

      Adorno do meu rancho, herança de Santa

      Pensava na vida de como foi, na vida de como é.

 

      Reguasquiando o Minuano, pelos pagos fronteiriços

      Assobiava passando, num canto tardiço

      Aprochegado às costadas, de um fogo de chão

      Pensava nas querelas da vida, gineteando o coração.

 

      Tempos difíceis do presente

      remontam tempos de outrora

      Do Negrinho do Pastoreio

      De poucos dias faceiro, de muitos dias que chora.

 

      Dono de sua vida não era, subjugado ao estancieiro,

      Encarnação da maldade, herança prá seu filho herdeiro.

 

      Judiado era o Negrinho, que nome e proteção não tinha

      Na sua fé de menino, uma certeza pressentia

      Se de ninguém era, Nossa Senhora, sua madrinha.

 

      Desafiado certa vez, foi o estancieiro pelo vizinho

      Depois de muitas negaças, a carreira, que não era de graça

      Mil onças de ouro sozinho.

 

      Largado os parelheiros, no lombo do baio ia o Negrinho

      Na disparada do mouro

      Em pêlo no couro,um peão do vizinho.

 

      Rumo às trinta quadras, empatados iam os parelheiros

      Nas duas braças que faltava, o baio assentou-se num paradeiro

      O mouro adiantou-se, e ganhou do estancieiro

      Que de perder não gostava.

 

      Furioso e desafiado, pagou amargurado, a carreira que perdera

      Prosseguindo prá estância

      Punira no palanque, o Negrinho que não vencera.

 

      Trinta braças perdera, trinta dias a tropilha haveria de cuidar

      O baio de piquete ficaria

      O Negrinho de estaca serviria

      Pros tordilhos não esparramar.

 

      Tosco de fome, pediu proteção à madrinha e dormiu, encostado num cupim

      Mas, pensado não tinha, que por culpa dos guaraxains, a tropilha

escaparia.

 

      Mais uma vez no palanque castigado o Negrinho foi gemendo, à madrinha

      Pegou um toco de vela que tinha

      E em busca se foi, do pastoreio que perdera

      De relho marcado, como um boi.

 

      Lá se vai o Negrinho, com um coto de vela campo afora

      Ajudado pela Virgem, sua madrinha na origem

      Ajuntou o perdido de outrora.

 

      Esparramado pelo filho, maldoso como o estancieiro

      Perde de novo a tropilha

      Que juntara por inteiro.

 

      Mais uma vez no palanque...se vai o Negrinho condenado

      Apanhando até a morte

      Pelo estancieiro ordenado.

 

      Na panela do formigueiro

      O Negrinho fora jogado

      Atiçadas que foram, enraivadas, as formigas o Negrinho tapavam.

 

      Em três noites, três vezes o estancieiro sonhou

      Que mil vezes mais tinha, o que na vida ajuntou...

      E o que mais gozado seria???

      Que na panela do formigueiro

      Tudo o que era do estancieiro

      Muito folgado cabia!

 

      Três dias se fez mui forte cerração

      Não se achava a tropilha

      que ao estancieiro pertencia

      Procurada pelo peão

 

      Ao formigueiro se foi o estancieiro ensimesmado

      Em pé, com a tropilha, viu o Negrinho que fora matado

      Junto dele estava a Virgem Nossa Senhora

      Caiu de joelhos

      Desta vez é o estancieiro

      Que arrependido, chora!

 

      Correu a notícia do milagre que ocorrera

      Do Negrinho do Pastoreio

      Da Virgem, salvo por inteiro, uma tropilha ganhara.

 

      Daí o Negrinho passara

      A ser bom procurador das coisas perdidas

      Por coto de vela acendida

      Ele as acha, no campo ou corredor.

 

      À luz xucra da vela

      Fico questionado

      Que como o Negrinho do Pastoreio

      Hoje, povos inteiros,

      Continuam explorados.

 

      Hoje até parece, que a história se repete

      Prá poucos que muito tem, tudo isto lhes convém:

      Manipulação do povo que não reflete.

 

      O Negrinho fora dominado

      Pelo sistema do estancieiro

      Hoje, somos submetidos, a refinados bandidos

      Do capital estrangeiro.

 

      Entrou em conflito o estancieiro

      com Nossa Senhora Virgem Maria

      Ela é madrinha do povo

      Prá que não ocorra de novo

      Aos hoje "Negrinhos", nova judiaria.

 

      Algo comum há, entre o Negrinho e o povo:

      A esperança que o novo, se possa viver

      Gente livre que luta

      Prá que nova conduta, venha acontecer

 

      Sim, Negrinho, pela Virgem ganhaste salvação

      Inspira encontrar por estas canhadas

      A liberdade tão sonhada, perdida por esta Nação.

 

      Triste é tua história, Negrinho...

      Fruto de muitas ideologias

      massacra do teu povo a vida

      A torna difícil e sofrida

      Do combate-profeta, algo nos resta: o papel da Teologia.

 

      Foi...foi por aí que perdi...

      Foi...foi por aí que perdemos...

      O menear dos cascos que questiona o estabelecido...

      O trompaço que desafia o dominante...

      A lenda que perpetua sonhos de igualdade e justiça...

      O galopar do Negrinho: exigência de Liberdade!

 

      Foi...foi por aí...

      Se não buscarmos...ninguém mais!