Raça gaúcha

Gilberto Trindade dos Anjos

 

Do fértil ventre da pampa

em meio a rude paisagem,

sobre o pastiçal selvagem

brotou pra vida o gaúcho.

Criou-se em ninho sem luxo

ao rigor do campo aberto,

fez do céu azul seu teto

do macegal seu colchão,

e no lombo de redomão

trouxe horizontes pra perto.

 

Com a sina de ser gaudério

escrita pelo destino,

foi vivendo igual teatino

forjando a sua identidade,

e nos gritos de liberdade

que ecoavam na planura,

mostrou tutano e bravura

pra defender seus peçuelos,

servindo a Deus de modelo

pra grande raça futura.

 

Eram brutais as suas lidas

pra sustentar seus anseios,

ganhou a vida nos arreios

pechando boi chimarrão.

Lutando pelo seu chão

mostrou ter o braço forte,

e escorado pela sorte

nos rodeios ancestrais,

montou em sonhos baguais

enquanto toureava a morte.

 

Lutou com feras e o tempo

que endureceu o seu couro,

foi guarda de seus tesouros

e dos campos multicolores.

Escorraçou os invasores

que cobiçou suas tropilhas,

e as sedutoras flechilhas

da mãe pampa ainda guria,

rondando dia após dia

se fez senhor das coxilhas.

 

Abriu picadas nas grotas

e sem ponte cruzava rios,

enfrentando os desafios

dos bárbaros pastoreios,

fez catre dos seus arreios

sob o lume das estrelas,

e nas arreadas domingueiras

abrindo cancha no grito,

deixou o seu nome escrito

na nossa história campeira.

 

Dos campos planos do sul

as altas serras do norte,

sob o sol ou chuva forte

cruzou com desenvoltura,

fazendobuena” figura

por estâncias e povoados,

caçando e tropeando gado

fez do poncho seu galpão,

e do laço trançado a mão

mangueira pra boi alçado.

 

Quando o fardo das distâncias

pesava nas suas espaldas,

por certo – desencilhava,

na sombra de algum angico,

e assim no fraterno abrigo

protegido do mormaço,

se esquecia do cansaço

e dos contratempos campeiros,

pra depois seguir faceiro

no lombo do seu pingaço

 

Nunca refugou bolada

nem se perdeu no caminho,

ergueu seu mundo sozinho

numa era abagualada.

E entre rudes patacoadas

domando potros morrudos,

moldou o jeitão topetudo

e foi tomando consciência,

que o amor pela querência

estava acima de tudo!

 

Sabia de onde provinha

a história da sua gente,

seus pais noutro continente

pelearam em medonhas guerras.

Deu o sangue por sua terra

sustentando suas fronteiras,

e usando as “boas” maneiras

da faca, a lança e a garrucha,

uniu a raça gaúcha

na mesma cor de bandeira!