FIM DE TARDE

Alvandir Oliveira


Fim de tarde...
Um vento morno acaricia o pasto
Sem muito esforço, sem pressa.

Nesses ermos fundões de campos
As garças são naus silenciosas
Que carregam sonhos perpétuos
Sobre as sangas preguiçosas.

Bois ao longe inanimados,
Tropilhas mansas sem mexer cabeças,
Visão enfumaçada,
Como paisagens de um retrato antigo.

Uma nuvem pacholenta
Enveredada de nortes
Escorrega de mansinho...
Pois bem conhece os caminhos
Nesses vazios de tormentas.

Bem ali, compondo o quadro,
Um velhito alambrador,
Sem queixumes, sem reclames,
Esticando os seus arames
Com suas mão de suor.

Indaguei-lhe com respeito
Da dureza do trabalho
Pra quem já é tão gasto!

Ele olhou-me com demora,
Puxou um toco de baio,
E sem se servir de atalho
Abriu sua alma morena
Num palavreado tão lindo,
Que eu sorvia traduzindo
Para os meus entendimentos

- seu moço... o que me pesa
Não é o bruto das changas
Nem este corpo sem viço,
Mas sim, as lembranças rudes
E este fastio de quietudes
Que deixa amostra os meus medos,
Pois nesse sem fim de alambrados
Cada trama que eu amarro
São contas dos meus segredos.

Já senti o gosto das guerras...
Das cargas de espadas e lanças,
De clarins ombreando tebas
Pras batalhas enfurecidas
Mas não são essas feridas
Que ao mussitar me conforta,
Pois quem traz a alma extraviada
Dos amores verdadeiros,
Esquece o largo dos campos,
De sóis, luas e pirilampos,
Pra ruminar desalentos
Na solidão dos potreiros.
Pensei que as marcas do tempo
Me livrassem dos meus medos.
Pensei ter enfrenado alpedo
Os temores das tormentas!
Mas a vida nos dá exemplos
Nos conceitos do divino
Pois até no peito do taura
Há receio de menino.
Tenho receio dos ventos
Quando eles me mostram sinais...

Às vezes vem de mansito
Em outras sobre rajadas
Vai varrendo o arvoredo
Remexendo o penaredo
Armando o maior tendeu.
E com os meus olhos nublados,
Espio, mui desolado,
Que tudo o que ele enrodilha
Leva pros lados do céu.
O frio também traz agouros
Nas melenas entordilhadas...

Quando o senhor inverno chega
Com audácias costumeiras,
Vem esgaçando porteiras,
Pois esta é a lei dos senhores!
Vai deixando os campos ermos
Fazendo dos ranchos taperas
Com almas gemendo esperas
Recolhidas em seus louvores
E com punhais bem chairados,
Este andarilho inclemente,
Escreve no peito da gente
Seus manuscritos eternos.

Por isso, meu patrãozinho
Ao semear moirões, tramas e espinhos,
Nesses fundões de meu Deus,
Também colho a paz que viceja
Neste meu coração de téu-téu.
Pra quando findar a minha tarde
Esta velha alma, então alada.
Possa voejar sossegada
Pelos mistérios do céu.

E o velhito se foi...
Com o porte de um charrua.
E eu fiquei com a alma nua
Neste saber mais contido.
Que não são como as vaidades,
E sim, curando feridas,
Que galoparemos verdades
Pelos mistérios da vida.