ELEGIA A UM SACRIFÍCIO

                                                                                              Alvandir Oliveira

 


Foi numa tarde mormacenta

Que se de o sacrifício.

 

O sol cingia lampejos

Com brilhos de fios de adagas

Sobre aqueles dois andantes,

Chapéus grandes, passos lentos

Com um cavalo a cabresto.

 

De murmúrio, só os passos

No tisnado do capim

E um jejum de alegria

Nos olhos cor de braseiro

Sinuelando o cortejo

De fantasmas e pesares

Pelo arreglo ajustado

De dar descanso ao sendeiro

 

Pisavam firme na linha

Do rastro que o gado fez.

Também não buscavam atalhos

Que encurtassem a distância

Até o local da sentença.

Pois o peão, vida bruta

Na solidão da campanha

Enraíza sentimentos

Passional ao seu cavalo

De amigo das confidências.

 

Um deles, um índio forte

Se via que temperado

Pelos reveses da vida.

O outro, puxando o cavalo,

Tinha um porte franzino

Mas também determinado

P`ra o gesto que se previa.

 

O cavalo no cabresto

Já fora um pingo de lei

Já correra campo a fora

Nas lidas que Deus lhe dera

Com todo viço e entono.

E agora nas mingueras

Da doença e da velhice

Ficou cego o pobre triste

Pra desconsolo do dono.

 

Na beirada do capão,

Longe dos olhos do mundo,

O mais moço dos parceiros

Pediu a faca ao amigo

Para a sangria fatal.

 

Olhava p´ra o fio da faca

Tão perto do seu destino

Com um pesar desmedido,

O coração apertado,

No tremor do desatino.

 

Depois do sinal da cruz,

Feito num gesto ligeiro,

A navalha misturou-se

Com pelo, sangue e vertigem

E abriu-se um corredor fundo,

De galopes de atropelos,

De mil potros em disparada,

Como se o mormaço da tarde

Saísse das ventas do bicho.

 

Com quatro olhos em brasa

Se foram os dois parceiros.

Passos lentos, almas rasas,

E um torpor no coração.

E ainda escutavam o pingo velho

Resfolegando, escarvando,

Com o dorso levantado,

Pedindo espora p´ra o dono

P´ra levantar-se do chão.