Cerração dos Tempos

Seival da Poesia Gaúcha – 08.07.06

Melhor Amadrinhador

Autor: Cléia Dröse

Declamador: Pedro Júnior

Amadrinhadores: Macus Morais, Luciano Salerno e Alencar Rasador

 

O arroio some em meio a essas brumas...

é tempo de cerração...

as figuras somem nas esquinas,

envoltas em névoa...

as lembranças fogem pelas curvas da memória...

mas em algum lugar permanece a estampa querida

os cabelos da cor da cerração,

os olhos da cor do céu,

as mãos trêmulas, conseqüência dos anos...

a mente aberta, distribuindo sabedoria e afeto.

 

Se olhar de perto,

pelas curvas do arroio ainda vejo os maricas floridos...

as flores da cor da névoa a se espalharem por sobre as águas...

é a figura amada a se confundir nestes matizes tristes

de um tempo que se foi pra não voltar...

revejo o ser amado sentado

(que as pernas já não lhe agüentavam mais!)...

horas e horas a fio, colocando isca no anzol,

me ensinando onde colocar o caniço,

como fazer para que a linha não se enredasse nos aguapés...

como puxar lambari

que, fisgado, brincava que nem guri,

puxando de um lado pro outro,

a arma que lhe matava...

 

Em outros momentos,

longos silêncios me ensinaram mais que mil palavras...

o olhar perdido, a fronte serena, as mãos sobre os joelhos...

a figura do avô fala pelos gestos que faz

e até pelos que deixa de fazer...

e nas manhãs de cerração

eu o vejo à beira do arroio

jogando a isca para pescar o lambari

que fez minha festa de guri

num tempo em que não havia esses brinquedos modernos...

em que os avós eram apreciados

e nos contavam suas histórias,

que em certo ponto eram também a nossa história...

 

E hoje, essa cerração me surpreendeu...

invadiu meu espelho,

pondo rugas em meu rosto,

névoa em meus cabelos...

distâncias em meu olhar...

me fazendo ser mais parecido com o avô!!!

 

E de repente, a porta se abre

e vejo meu neto de caniço na mão,

lata de minhoca na outra,

um sorriso no olhar,

me dizendo como quem quer brincar:

Vamos ao arroio pescar????