Bastidores da Morte

Bruno Salvagni dos santos

 

Gastando cascos surrados

e suando lombos judiados,

Pedro Anastácio se criou.

 

“Seu bolichero,

mais meio copo da marvada na minha conta”

 

Um folga dos arreios

naquela noite traiçoeira.

Meia lua peregrinando

 por uma longa estrada

-sem volta-

que junto com seu cavalo

o peão enfrenou.

 

O frio andava co’s pé ‘nos bolso’.

Entre um passo e outro de seu mouro,

a raiva e a coragem de um homem aumentavam,

fugindo dos limites de seu controle.

 

Montado em seu cavalo,

dispara feito um raio

na direção de um casebre antigo.

 

Apeia, sem muito alarde,

a vizinhança, que bem sabe dos segredos das noites,

da janela observava de olhos arregalados,

tal qual um covarde...

 

E num movimento rápido e certeiro,

um facão guerrilheiro

salta do bocó,

e nas mãos de seu comandante ganha vida

adentrando aquela tapera,

-ou, bem mais que isso-

sem nem, se quer, tirar as botas.

 

Em meio a barulhos abstratos,

anunciando o ponto final,

 um grito prendido.

Com o fim do serviço,

duas almas vagavam pelo campo.

 

Ironia do destino?

-Talvez-.

Um facão velho afiado

ganhava vida, pra tirar vidas.

 

Na cidadezinha corria a notícia

que o tal bandido não vinha de longe.

Um poncho negro de medo

alçou as asas sobre o céu do povoado.

 

Foram sete dias!

Por sete, terríveis dias, a mente persistia em pôr o negro a repensar...

No bolicho, um trago conversou solito no balcão.

 

Habitado de coragem

seguiu pela estrada rumo ao povo,

onde todos suspeitavam com seus olhares macabros.

 

“Não sei o porquê seu delegado.

Senti algo mais forte que eu...

Eu a amava e nem tive tempo pra contar.

 

Senhores... Não me julguem por esse amor descontrolado!

Resta apenas, um simples pedido de desculpas, deste negro velho, a toda sociedade,

e, principalmente, ao novo órfão que deixei na terra.

 

O silêncio de meu pensamento,

insiste em ecoar aquele último grito.

 

Mais um coice ‘nos pulmão’ com essa maldita cachaça.

É por causa dessa desgraça,

que hoje ‘tamo’ aqui

eu, e meu facão...

 

Todo gaúcho macho

deve assumir as consequências,

se for assim,

com esse peso na consciência,

não tenho como dar sequência

a esta vida ríspida.”

 

No dia em que o delegado

foi para cumprir o mandato,

encontrou esse recado

banhado em sangue

no peito de Anastácio.

 

Nesta cena terrível,

o delegado  ajoelhou-se frente ao corpo

e, com calma,

retirou o facão do peito do valente peão de estância.

 

“Nunca antes tinha acontecido algo parecido no pago...

O peão prestava pro serviço,

era corajoso e não dava ‘barda’ pra o gado” – Sussurra o delegado.

 

Numa noite de lua cheia,

A filha do senhor da estância foi assassinada,

 e o melhor peão do capataz comete um suicídio,  de tanto amar...

Pedro Anastácio levava as flores

junto com o caixão,

pra lá no céu poder finalmente se casar,

com a filha do patrão.