A MINHA PERNA DIREITA

 “Um brado de alerta”

(1º Lugar Enart Literário 2009)

Jorge Bicca

 

A minha perna direita que é parceira da canhota,

assim enfiada na bota ninguém diz o que ela é.

Bem ancorada no pé e aprumada no joelho,

esta minha perna é o espelho do restante da carcaça.

Pois onde esta perna passa, todo meu ser vai passando

e atento vou registrando as glórias da minha raça.

 

Esta perna velha gaudéria, que hoje não anda, se arrasta,

cumprindo a sina nefasta de sofrimento e de dor,

foi um dia a fina flor entre as pernas deste pago,

mas foi muito fumo e trago que a deixou esgualepada.

Foi muito trago e tragueada que causou tamanho estrago.

 

Quem disse foi seu doutor, que o álcool e a nicotina

entupiram as veias finas e as grossas se dilataram.

Foi a um ponto que vazaram, pois estavam muito fracas,

e o doutor passou-lhe a faca, tirando a veia estragada

que não prestava pra nada. E a minha perna direita,

nunca mais ela se ajeita, é pra sempre prejudicada.

 

A minha perna direita que é parceira da canhota,

fica apertada na bota porque sempre está inchada.

Às vezes fica inflamada, tem a cor escura e feia,

e sempre usa uma meia pra fazer a compressão,

evitando que a pressão  faça aumentar o inchaço.

E não importa o que eu faço, a perna é sempre um balão.

 

Quando esta perna era boa no tempo da juventude,

eu fiz com ela o que pude e até o que não podia,

pois sendo de infantaria, em corrida, marcha e manobra,

eu tinha perna de sobra. Em desfiles e exercícios,

não media sacrifícios  pra fazer bem a missão,

honrando o meu batalhão e cumprindo bem meu ofício.

 

Para andar atrás de china nas festas da pulperia,

esta minha perna corria sem preguiça e com destreza.

E por debaixo da mesa roçando em pele macia,

a perna velha sabia o que era bom e bonito.

Nunca fui de andar solito! E pra dançar num surungo,

era que nem um matungo, quando a gente dá-lhe uns gritos!

 

A farda que a Pátria deu, eu trazia bem cuidada.

Sempre limpa e engomada, eu a envergava garboso,

no meu jeitão orgulhoso de militar federal.

Mas a roupa corporal que o grandioso Criador,

presenteou-me com amor, eu não tratei com cuidado.

Com ela fui relaxado, tomando canha e pitando

e ela foi se intoxicando, até ficar neste estado.

 

Meu peão e minha prenda, acompanhem meu pensamento:

Se neste exato momento a minha perna está assim,

o que espera por mim no restante da matéria?

Será que doença séria, já não estarei sentindo?

Porque estou sempre tossindo? Porque a falta de ar?

E a dor que não quer passar, aqui no meio do peito?

Será que ainda tem jeito? Será que posso escapar?

 

A cachaça não e remédio, nem cigarro, afirmação,                                               

pra os incautos sem ação, que não sabem o que fazer

e procuram se esconder atrás de um copo de cachaça

e um pouquito de fumaça, pensando que deste jeito,

o que de errado tem feito, desapercebido passa!

 

Antes tarde do que nunca, nos diz o velho ditado.

Meu vício já foi deixado. Graças a Deus consegui.

Agora peço pra ti, que toma canha e que fuma,

toma vergonha, te apruma, e vê se larga de mão

pra que te conserve são! Porque a canha e o fumo,

nos levam sempre no rumo da doença e do caixão!